segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Por Márcia Costa, para o Jornal da Orla

O escritor Ademir Demarchi lança o livro Do sereno que enche o Ganges no dia 30 de novembro (domingo), às 19h30, dentro do projeto “Tête-a- Tête”, do restaurante La Quiche Dorée (Av. Epitácio Pessoa, 210). O livro foi editado pela Dulcinéia Catadora, coletivo sediado em São Paulo que produz livros com capas de papelão e conta com a participação de artistas, escritores, catadores e de filhos de catadores. A entrada é gratuita. A seguir, entrevista com o escritor:

Por que você escreve?
Para fabular a mim mesmo, para fazer a crítica ao tempo em que vivo, para estabelecer diálogos consistentes com meus contemporâneos, para expressar admiração pelos que escreveram antes e que dialogam comigo a cada palavra, para deixar um testemunho deste tempo aos que virão, para multiplicar os sentidos da existência, para seduzir, para fazer perguntas que não se faz, para obter respostas implausíveis, por prazer...

Como você alia/aliou diferentes funções: de funcionário público, de acadêmico e de escritor?
São autofágicas e se alimentam umas às outras. O trabalho remunerado, ainda que muitas vezes medíocre como só é o ambiente do serviço público, me dá o pão e o vinho; a função acadêmica me ensinou a pensar de forma sistemática e necessária a dar consistência a um pensamento; a função de escritor é o exercício da rebelião contra todas as outras, que me dá a insanidade necessária para respirar numa condição de esquizofrenia a que se submete quem quer ser artista/escritor neste país de analfabetos e no entanto é obrigado a trabalhar para sê-lo.

Como escritor, quais as temáticas que mais lhe atraem?
Leio de tudo, escrevo sobre tudo e recentemente, desde abril, aceitei o convite de escrever uma crônica semanal no jornal O Diário do Norte do Paraná, de Maringá, onde experimento a crônica, a ficção, a prosa poética, a resenha e o que a oportunidade possibilitar. No entanto, tenho uma predileção por uma escrita com pendor filosófico, de crítica social e política, irônica às vezes, ainda que não me restrinja a isso. Quanto à temática especificamente, cultivo com prazer a errância, assim um de meus livros teve como temática a morte, fiz uma tese sobre o americanismo na cultura brasileira, tenho um livro de poemas que poderiam ser classificados como de “afinidades eletivas” por se referirem a escritores e artistas que admiro, tenho outro inédito de poemas que seriam paisagens, com o sugestivo título de Janelas para lugar nenhum, assim como tenho outro de epigramas.

Você é autor de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (com 26 poetas, 424 páginas, Curitiba: Imprensa Oficial do PR, 2002); Os mortos na sala de jantar (poemas, Realejo, 2007, Prêmio Publicação dado pelo Governo do Estado de São Paulo através do PAC 2006) e Passeios na Floresta (Editora Éblis, Porto Alegre, 2008). Além disso, também criou a revista BABEL, de poesia. Qual a importância de cada uma dessas obras na sua carreira de escritor?
A BABEL teve 6 edições, de 2000 a 2004, foi um momento de troca, de leituras, de confrontos, de aprendizado e amadurecimento de idéias, assim como também o livro Passagens foi um desdobramento disso, afinal uma antologia, um recorte, como também ocorre em uma revista sob outro aspecto. Os mortos na sala de jantar é o que considero meu primeiro livro maduro, ainda que tenha publicado alguns livretos antes, embriões desse trabalho. Esse livro foi uma espécie de tomada de posição afirmativa de um pensamento, de uma crítica ao modo de vida humano, ao mesmo tempo em que é uma experiência poética bem situada nesse campo, o da poesia. Foi um livro pensado, levou 20 anos de elaboração, foi um prazer publicá-lo e descobrir as reações dos leitores, sempre muito favoráveis. Passeios na floresta é um livro de divertimento, de homenagem a alguns escritores, menos sério que o anterior, mas assim mesmo um conjunto de poemas que têm cada um sua peculiaridade.

Fale sobre a concepção e realização de sua mais recente obra, Do sereno que enche o Ganges.
Do Sereno que enche o Ganges é antes um modo de olhar, uma observação sensível com um encanto desencantado, que incorpora esse paradoxo, de “imaginar-se no paraíso” porque a vida flui intensa pelas veias, mas que, ao mesmo tempo que imagina isso, sente isso, vê o mundo por um filtro crítico, sutil mas crítico, que não escapará a um leitor perspicaz. É um conjuto de impressões poéticas, num longo poema, de certo modo narrativo, que registra a vida no litoral, de frente para a baía de Santos, as pessoas na praia durante o dia e a noite e olhar de alguém que as vê e se identifica ou não com elas. Foi escrito de 1990 a 1994 aproximadamente e o reelaborei recentemente depois de uma leitura feita pelo Coletivo Dulcinéia Catadora, que o publicou.

Como está sendo a aceitação do livro?
Os mortos na sala de jantar teve ótima repercussão, resultou em algumas resenhas, vários comentários que recebi por email e em blogues, em várias entrevistas que tenho dado e em convites de leitura e lançamentos – recentemente fui convidado a participar do Simpoesia, um simpósio organizado pela USP e Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos e Museu da Língua Portuguesa, onde lancei meus livros. Outro desdobramento desse primeiro livro, que certamente influenciou neles, foi a publicação dos outros dois, Passeios na Floresta e Do Sereno que enche o Ganges, que lançarei em Santos no La Quiche Dorée, dia 30 de novembro, 19h30. Assim como todos são um desdobramento da repercussão crítica obtida com BABEL, que teve comentários muito positivos em jornais como Folha de São Paulo (Mais! e Ilustrada), Jornal da Tarde, Revista Época (por Décio Pignatari), Jornal do Brasil (Idéias), além de ser uma publicação que é constantemente solicitada por várias bibliotecas norte-americanas, como da universidade de Yale e da Biblioteca do Congresso.

Como é lançar um livro pelo projeto Dulcinéia Catadora, que une as preocupações sociais e artísticas?
Do Sereno que enche o Ganges foi selecionado pelo Projeto Dulcinéia Catadora, que reúne catadores de papel e seus filhos – o projeto compra o papelão e o recicla transformando em capas dos livros, pintadas a mão uma a uma por jovens em situação de risco que, incorporados ao projeto, encontram um trabalho e um aprendizado, passando a circular por novos ambientes sociais. Para mim foi uma realização importante pois escrevo poesia, a linguagem menos aceita pelo mercado, pelo pouco mercado que há, que não publica poesia. Assim, publicar por um projeto como esse, que existe à margem do sistema comercial e se não na margem da sociedade mas nos seus limites, é uma combinação perfeita para mim de crítica a esse sistema de consumo que comercializa somente o facilitário e lucrativo, logo vazio e descartável. Como escritor, como poeta, estou numa situação de identidade de marginalidade social com os catadores de papel na medida em que praticamente não existo, escrevo a duras penas e não publico porque o sistema não dá valor a isso que faço. Sou, assim, um catador de palavras como os catadores o são de papéis e unindo esses dois sentidos alcançamos uma ação crítica e de intervenção que faz pensar e mobiliza pessoas.

Qual a importância que a poesia assume hoje no mundo?
Do ponto de vista de um escritor, na medida em que o obscurantismo econômico que governa as vidas de todos como mercadorias prevalece, a poesia é fundamental, é uma fonte de luz para pensar, para encontrar de forma radical o verdadeiro rosto humano. É onde há pensamento, sensações, experimentações no limite da linguagem, sem preocupação com valor. No entanto é uma arte a que poucos têm acesso, quer pelo analfabetismo que já apontei, quer pela falta de hábito de leitura. Mas se pensarmos a resposta a essa pergunta, sob o ponto de vista do mundo que deveria recebê-la, parece ser que a poesia não assume importância alguma, pois poucos a lêem, garantem a sua existência, as editoras não a publicam de forma decente, as pessoas não a compram. Do ponto de vista da poesia, ela não assume importância alguma, uma vez que sua natureza de estar no limite da linguagem é recusar todo valor, buscar os limites tal como podemos pensar pelas reflexões de Blanchot, ou seja, escapar a todo sentido que tente institucionalizá-la esvaziando sua criticidade e se cabe a ela algum valor, seria o de uma negatividade subversiva.

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