sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

Após um seríssimo texto anterior, volto aos assuntos “leves” das letras. E nada melhor que lermos o que escreveu Julio Cortázar em textos reunidos no Tomo I de Último Round. Nosso “leve” será ao ritmo das brincadeiras, dos jogos infantis, dos jogos de palavras.

Toda poesia que mereça este nome é um jogo, e só uma tradição romântica já inoperante persistirá em atribuir a uma inspiração mal definível e a um privilégio messiânico do poeta, produtos em que as técnicas e as fatalidades da mentalidade mágica e lúdica se aplicam naturalmente (como faz a criança quando brinca) a uma ruptura do condicionamento comum, a uma assimilação ou reconquista ou descoberta de tudo o que está do outro lado do Grande Costume.

O texto acima é do final dos anos 60: O jogo da amarelinha (Rayuela), romance de Cortázar, conquistava mentes na América e na Europa a partir de Paris. No Brasil, um pouco antes, a narrativa fragmentada (está no título!, com os dois pontos) aparecia também em Grande Sertão: Veredas (1956), ainda que tal fragmentação derive da natureza da memória e do fluxo da conversa do protagonista, que vai de episódio a episódio sem um roteiro linear qualquer determinado:

Mas para que contar ao senhor, no tinte, o mais que se mereceu? Basta o vulgar ligeiro de tudo. Como Deus foi servido, de lá, do estralal do sol, pudemos sair, sem maiores estragos.

Novas narrativas
Num registro mais pop: nos anos 60 foram realizados também uma série de filmes de intriga internacional e ali boa parte das atuais histórias de teoria da conspiração tomaram sua forma atual. Não vou dizer que um gênero está morto, mas as histórias que se reúnem sob o guarda-chuva da teoria da conspiração chegaram recentemente a um impasse. E isso ocorreu em Lost, a famosa série que chega a última temporada, dizem, sem revelações, sem amarras, desdobramentos, viradas narrativas ou qualquer coisa que nos conte uma história, em troca de uma série de ilogicidades que revelam o caráter do programa.

Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares juntos escreviam sobre quais regras narrativas devem seguir as histórias fantásticas: ainda que sejam fantásticas, ocorrem por meio de uma série de regras estipuladas pela escrita fictícia. Não é o que se verifica em Lost, não há regras, só indefinições. Assim o fantástico não se sustenta e o programa se limita a ser um tabuleiro eletrônico em que são projetadas aspirações conspiratórias de todo tipo de público. Isso acontece porque na verdade nunca houve qualquer explicação, as histórias foram sendo feitas de acordo com uma promessa que nunca se cumpriu.

Por outro lado, notem no que ocorreu com um clássico contemporâneo da Teoria da Conspiração: Arquivo X. Ali a conspiração foi sendo construída aos poucos, temporada a temporada, enquanto Mulder e Scully investigavam dezenas de casos isolados, sem qualquer ligação entre si, em alguns momentos rendendo dois, três ou até mais episódios até que um sentido panorâmico foi sendo construído de uma forma justa, em que história e o próprio programa atingiram um auge e se encerraram.

Arquivo X já acabou há algum tempo e essa minha preocupação tem se mostrado constante desde lá: as teorias da conspiração não atraem mais, rodam em falso. O mesmo se dá em Heros, programa promissor que dá voltas na mesma conspiração temporada a temporada.

Não gosto também do efeito a que se sujeitam algumas pessoas que passam a explicar tudo por uma razão oculta, inatingível, afastada dos mal informados e não escolhidos em geral. E mais: a outra face da teoria da conspiração é o comportamento de vítima, do qual nos tornamos reféns de nós mesmos. É algo um tanto perigoso, no final das contas.

Referências
Julio Cortázar. Poesia permutante. In: Último round. Tomo I. Tradução Ari Roitman e Paulina Wacht. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas. 19 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.



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