terça-feira, 27 de julho de 2010

Alessandro Atanes, para o PortoGente

Citei o escritor italiano Italo Calvino duas vezes em duas semanas. Ele é de meus preferidos, mas em nenhum dos casos Calvino foi tema principal. No primeiro, mostrei como Patrícia Galvão escreveu em 1960 noticiando o lançamento em português de seu primeiro livro. No segundo, usava Calvino para ressaltar e elogiar alguns aspectos do cinema de Quentin Tarantino. A intenção foi tentar criar conhecimento sobre esses autores colocando-os em relação uns com os outros em um ensaio afetivo literário.

Noto ser assim que Calvino aparece em meus textos, de lado, ubiquamente. Outra vez foi quando apliquei alguma coisa que sabia de seu Por que ler os Clássicos para definir algumas características do romance Navios Iluminados (1937) que fazem dele uma obra representativa da cidade de Santos nas décadas de 20 e 30 do século passado. Lembro também de fazer o contrário: um trecho de As cidades e os mortos, que é ficção, um de seus célebres relatos de As Cidades Invisíveis, é usado para iluminar o quanto um texto científico pode conter de fabulação, de matriz essencialmente literária (lembrando que a consolidação do pensamento científico e a construção narrativa da ficção científica ocorrem simultaneamente ao longo do século XIX).

Leitura de fundo, a quem sempre retorno, é Calvino que homenageio em função do Dia do Escritor, comemorado domingo passado.

E para esse tempo de mídias para todos os lados trago um ensinamento de suas propostas para o próximo milênio ao apontar a Rapidez como um valor; ressalte-se que ele trata da rapidez do raciocínio, não a da correria e da velocidade. 

(...) o valor que hoje quero recomendar é precisamente este: numa época em que os outros media triunfam, adotados de uma velocidade espantosa e de um raio de ação extremamente extenso, arriscando reduzir toda comunicação a uma crosta uniforme e homogênea, a função da literatura é a comunicação entre o que é diverso pelo fato de ser diverso, não embotando mas antes exaltando a diferença, segundo a vocação própria da linguagem escrita.

Mas no Dia do Escritor estico os parabéns ao leitor – “O que é um leitor?”, pergunta Ricardo Piglia –, esta figura que escapa e se multiplica em ideal, viciado, insone, trágico, extremo, apaixonado, compulsivo. Piglia, escritor, ensaísta e professor argentino, diz que esse veio, de Cervantes a James Joyce, vai dar em Jorge Luis Borges. Eles fizeram do leitor um herói da modernidade.

Outro tipo é o leitor comum, ele mesmo idealizado, aquele que vaga pelas livrarias não sabendo exatamente o que levar ou por onde começar, que vai do best seller ao romance histórico, um clássico lhe cai na mão e uma história de leitura se faz...

Este tipo de leitor também virou personagem. Ele é o herói de Se o viajante numa noite de inverno, de 1979, de Italo Calvino (quem mais seria?), livro em que se alternam capítulos lidos pelo Leitor e capítulos vividos pelo Leitor, desde o momento em que ele entra em uma livraria e decide levar justamente o livro Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino.

Com estas homenagens ao leitor encerro este texto do Dia do Escritor.

Referências:
Italo Calvino. Rapidez. In: Seis propostas para o próximo Milênio. Tradução: Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Italo Calvino. Por que ler os clássicos. Tradução: Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Ítalo Calvino. As cidades e os mortos. In: As cidades invisíveis. Tradução: Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Ítalo Calvino. Se um viajante numa noite de inverno. Tradução: Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Ranulpho Prata. Navios Iluminados. Rio de Janeiro: José Olympio, 1937.

Sidney Piochi Bernardini. Os planos da cidade: as políticas de intervenção urbana em Santos – de Estevan Fuertes a Saturnino de Brito (1892-1910).  São Carlos: Editora RiMa e Fapesp, 2006.

Ricardo Piglia. O que é um leitor?. In: O último leitor. Tradução: Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.


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