quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Um conto de Ademir Demarchi

O cara já estava havia mais de uma semana com um quisto na virilha, que não regredia e não cessava de jorrar lava como um vulcão nas dezenas de vezes espremido. Seu humor foi se alterando, começou a ficar muito irritado e a ter fantasias de que o fim estava próximo, pois seria consumido por aquele alienígena furunculoso inóspito que o habitava.

50 anos, filhos criados morando longe para cursar a universidade, olhou em volta e foi para a janela depois que a mulher o espremera e agora limpava a sujeirada que ele expulsava de si. Pela janela viu os arbustos se movendo com o vento e sentiu vontade de ver o pai.
A vontade por um momento arrefeceu, pois se lembrou das dificuldades que teria que enfrentar para encontrá-lo depois que se separou da mãe. Faltava um ano para completarem 50 anos de casados quando o pai, septuagenário, vislumbrando as comemorações, deu a notícia de que queria se separar. Disse que não dava mais, que suas vidas estavam muito diferentes, ele queria uma coisa, ela queria outra, ele queria sair passear na cidade, ela preferia ficar na chácara.

A mulher foi ouvindo suas reclamações entre muito atenta e desconfiada se seria mais uma de suas rusgas e rompantes ou uma novidade quando ouviu o motivo que faltava: ele disse que conhecera outra mulher e que ia morar com ela.

A casa caiu mesmo com a brigaiada, pois tiveram que vendê-la, como todos os bens, para fazer a divisão. A mãe foi morar em outra, comprada perto de uma filha, ele foi morar com a nova mulher, nem tão nova assim, com 3 filhos, eles sim jovens. Por birra a mãe o processou exigindo pensão. Já a outra o evangelizou, batizou-o em sua religião e ele foi convencido de que tinha o dom de ser pastor. Assim, foi convencido também a construir uma igreja na favela em que estavam, onde poderia dar vazão ao seu dom recém descoberto. Foi o momento em que recebeu o dinheiro da partilha, logo destinado para a igreja, que, erigida, ele passou a comandar.

Era para lá que o filho, agora, ia capengando com o quisto na virilha que o impedia de andar normalmente. Havia deixado o carro numa rua muitos metros antes pois para onde ia não era possível entrar com o carro. Havia chovido, o barro era muito e, com o jeito desajeitado de caminhar e o medo de despencar com a cara na lama foi se lambuzando de barro nos sapatos, nas barras das calças, até que chegou diante da igrejinha humilde. Entrou na hora em que o pai estava começando a falar, sentou-se ao fundo e ficou escutando, ouvindo aquele pai que lhe era agora um estranho, pregando ensinamentos de modo muito diferente do que o fizera antes criando a ele e aos outros filhos.

O pai se afastara deles depois da separação da mãe, não telefonava, não aparecia, ele é que insistia em saber dele. Sentado desconfortavelmente no banco rude, incomodado pelo furúnculo, tentava familiarizar-se com aquele pai que agora era outro, apurava o ouvido e o olhar para encontrar um sentido para suas vidas.


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