sábado, 18 de setembro de 2010

Alessandro Atanes

Os portos são as esquinas do mundo. Escrevendo recentemente  a propósito do Festival Mirada sobre as relações entre as cidades portuárias Buenos Aires e Santos, registrei o conto O Aleph, de Jorge Luis Borges, que se encerra em um registro sobre Santos. Richard Burton, aventureiro, tradutor e cônsul britânico em Santos, teria encontrado indicações da existência na cidade de um Aleph, objeto da mitologia judaica pelo qual podemos ver qualquer outra coisa, inclusive o leitor do conto. Por isso, afirmei que uma cidade com um porto é um Aleph de todas as cidades e povos. Em cada porto, o mundo todo.

Uma destas esquinas do mundo são as Antilhas inglesas, especificamente Santa Lúcia, onde nasceu o poeta Derek Walcott (1930), Nobel de 1992, autor destes versos:

I’m just a red nigger Who Love the sea,
I had sound colonial educatrion,
I have Dutch, nigger and English in me.

Sou só um preto ruivo que ama o mar,
Tive uma sólida educação colonial,
Tenho holandês, negro e inglês em mim
e não sou ninguém, ou sou uma nação.


O autor, em entrevista para a BBC, ouça trechos de seus poemas aqui:

Conheci estes versos de Walcott do ensaio O som da maré, do poeta russo Joseph Brodsky, Nobel de 1987. Ali ele apresenta o autor que, a partir de uma esquina do mundo – logo do terceiro mundo, em uma ex-colônia britânica – conquistou seu lugar entre os principais nomes da língua inglesa.

Nos quase quarenta anos que Walcott tem dedicado à poesia, a este amor pelo mar, os críticos dos dois lados do oceano o classificam de “um poeta antilhano” ou “um poeta do Caribe”. Estas definições são tão míopes e enganosas quanto dizer que o Salvador era um Galileu. E a comparação é adequada, porque toda tendência à redução decorre do mesmo terror do infinito; e quando se trata da disposição da disposição de enfrentar o infinito, a poesia muitas vezes supera a fé. A covardia tanto mental como espiritual que se revela nessas tentativas de transformar este homem num escritor regional se explica ainda pela má vontade dos críticos em admitir que o grande poeta da língua inglesa é negro.

Referência:
Joseph Brodsky. O som da maré. In: Menos que um: ensaios. Tradução Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. A versão em português dos versos de Walcott tem como base a tradução de Flaksman, publicada em nota, na qual a expressão “red nigger” foi vertida como “negro vermelho”. Prefiro a opção “preto ruivo”.


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