terça-feira, 21 de setembro de 2010

Uma crônica de Ademir Demarchi

Depois de ter visto navios salmonados que pairam sobre as águas e lido no jornal sobre a presença constante de discos voadores pelas redondezas onde moro, acho que já estava esperando por outra.

E não é que veio?

Fiquei sabendo agora de um vagão cargueiro que resolveu declarar independência e se desprender da composição para passear anonimamente nada mais, nada menos, que 35 quilômetros, de Maringá a Doutor Carmargo, passando por Paiçandu, Marilá e Água Boa.

Como sugere a abreviatura da sua dona, a América Latina Logística, a ALL, TUDO pode acontecer, inclusive seus vagões saírem a passear por linhas desativadas em busca de aventuras e longe da rotina obrigatória da linha de carga.

Até os vagões andam entediados com a globalização! Indo e vindo sempre cheios de produtos de um lugar para outro e protestando assim, daqui a pouco vamos ver contêineres levitarem com tanto desejos de consumo prometidos para este Natal que se aproxima.

E se pode dizer que o vagão fujão foi feliz, pois conseguiu encontrar um carro no caminho, que um desavisado e incauto, nunca imaginando que trem passasse pelo lugar de novo, largou sobre os trilhos. O pobre e já velho automóvel ficou ainda pior, com as vísceras motoras cansadas à mostra, desnudado pela afoiteza do vagão.

Alguém diz que escutou um barulho de algo passando, mas nem passou pela cabeça que pudesse ser um vagão pois trem não passa por aquela linha há 20 anos! Mas como se tem ouvido muito o barulho de que o trem de passageiros vai passar por aí de novo, e esse barulho tem sido maior que o do trem, todo mundo pode pensar em gente fazendo barulho, menos em trem passando!

Mas guardo uma desconfiança de que esse vagão queria mesmo era chegar em Paranavaí pra ir visitar o escritor Sergio Rubens Sossella, um poeta que morreu há poucos anos, mas cuja biblioteca ainda rumoreja por lá. Imagino que o Sossella também, pois bibliotecas são lugares adorados por fantasmas e o Sossella adorava um trem. Tanto que publicou vários livros de poemas tendo por assunto os trens e eu mesmo cheguei a fotografar pra ele um cemitério de composições e locomotivas em Paranapiacaba, em São Paulo, que ele usou numa das capas desses livros artesanais que ele fazia, sugestivamente denominando “Campo de Concentração Sossella”. Ele era muito bem humorado, brincando assim com o holocausto e se imaginando num trem fantasma com suas fantasias de escritor e judeu que não foi.

Pena que os trens andaram desaparecendo demais da vida das pessoas. Restou o cinema para reencontrá-los em inúmeros filmes em que aparecem como personagem inesquecível, desde os primeiros filmes dos irmãos Meliés, quando as pessoas fugiam de medo da sala ao ver o trem chegando sobre elas na tela... Imagine-se como seria se esse primeiro filme fosse já de cara lançado em 3D? Com esse vagão fujão como ator?


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