quarta-feira, 2 de março de 2011


Por Marcelo Ariel

1-) Oscar D’ Ambrósio no prefácio ao ‘O Novo em folha’ , seu primeiro livro, relaciona seus textos á Arte Contemporânea Caiçara, segundo ele, ‘uma proposta que relaciona imagens,palavras e sonoridades numa ótica que mescla fontes da literatura,música e filosofia,sustentando o diálogo entre o ancestral e o contemporâneo’. O que o levou a essa mescla,ela é uma característica do nosso tempo  ou um modo incontornável de conciliar ansiedades e urgências diante de um vazio e de uma situação de indefinição e limitação onde reina o fragmento e o caos?

R:  O que me levou por esse caminho foi a procura por minha identidade coletiva, histórica, ancestral. A necessidade de não me ver somente como indivíduo, de preencher de significados a vasta expressão de minhas dúvidas. O vazio é a não-identidade, a desmemória, a fragmentação, a aparente separação entre o que somos, fomos e desejaríamos ser. A arte contemporânea caiçara é a afirmação de um conhecimento coletivo, comum, onírico, virtual e transubstanciado. A tentativa de conciliar a solidão à humanização.

2-) O Novo em folha é um livro artesanal publicado pela Edições Caiçara, que deve sua gênese aos processos de autogestão editorial das cartoneras, algo muito próximo do ‘ Do it yourself’ do movimento punk, como você  vê estes processos autogestionários com ou sem um motivo social em seu bojo e por que optou por editar você mesmo seu livro e não seguir os procedimentos de patrocínio-controle dos editais de fomento e leis de incentivo, tão necessários e na minha opinião, equivalentes dos programas de assistencialismo dos governos recentes e oq eu você pensa sobre a questão do assistencialismo cultural ?

R: A tecnologia nos liberta, possibilita que publiquemos nossos livros e gravemos nossas músicas sem depender de editoras e gravadoras. A mídia é feita cada vez mais pela mão de todos, uma inteligência coletiva criada em nuvens de computação. O conhecimento compartilhado. Por que, então, esperar que uma editora resolva comprar sua obra se você mesmo pode publicá-la, divulgá-la e comercializá-la? O “faça você mesmo” do movimento punk está intimamente ligado à essa possibilidade, a escolha entre fazer e esperar que outros façam por você. Ainda assim poderíamos esperar por condições ideais, assistencialismos, editais de fomento, leis de incentivo – todas excelentes alternativas, porém insuficientes para nossa fome de criação, mas entre o fazer e o não-fazer é melhor fazer mesmo que não saibamos onde tudo isso nos levará. É preciso fazer como quem não espera por ajuda, caso contrário estaremos sempre nas mãos de quem nos alimenta, colocando nelas nossa responsabilidade. Não devemos nos acomodar em assistencialismos, mas sim em cooperação, sustentabilidade, parceria e, principalmente, generosidade e realização. Vejo a classe artística unida em  debates sobre projetos de fomento a cultura, mas não a vejo unida em pesquisas e ações que possibilitem o aprofundamento de sua produção.

3-) ‘ O samba não é do Morro/ O samba é chinês’, diz um dos versos de um poema seu no livro, neste e em outros versos, sinto a presença mais do músico do que do escritor, vejo você como um músico que escreve e não como um escritor que toca, temos o exemplo de Arnaldo Antunes que também navega nestas águas entre as fronteiras, esta é uma questão delicada e não estou falando de fronteiras que separam as artes, elas não existem, mas de modos de uma arte que migram para outra, fale um pouco sobre isso e sobre seus inícios como músico e como escritor e como estas duas atividades dialogam entre si?

R: A verdade é que a música foi a expressão que encontrei para minha literatura. Comecei a escrever aos oito anos, aos onze conheci o teatro. Somente aos trinta e sete me tornei compositor. Uma linguagem leva a outra, um signo está ligado a inúmeros outros.  Trafegar entre as artes é perceber que as fronteiras são muito mais tênues do que parecem, que na verdade há apenas diferentes formas de expressar os mesmos significados, mas se os signos são os mesmos é necessário olhá-los por outros prismas, ressignifica-los e transubstanciá-los.  Assim, provocar uma arte sinestésica é lembrar que nada está separado, que o menor movimento desloca universos, que ante a certeza da dúvida e a incerteza da resposta a arte é a possibilidade de concretizar o pensamento e virtualizar a realidade.  A música falada, que remete a suja voz de Arnaldo Antunes e sua literatura neo-concreta, é o minimalismo literário levado à harmonia dos timbres, à percussão melódica e à aleatoriedade dos ruídos e silêncios. A literatura consubstanciada na música, a palavra diretamente levada ao cerebelo, a comunicação primitiva, primordial e instantânea do som, da palavra, do signo, da reflexão e da reconstrução de quem vivencia a obra. A obra em aberto, em movimento. Por isso a filosofia está tão presente em nossa música, pois instiga o pensamento a continuar em seus caminhos, suas procuras, fazendo com que a obra permaneça em constante transformação. “O samba não é do Morro...” comenta justamente a possibilidade de ressignificar identidades culturais, transformar o estabelecido, fazer emergir os laços que nos ligam a um eu coletivo.

4-) No último poema do livro ‘ Os sapos’, para mim uma citação do poema homônimo de Manuel Bandeira, o famoso poema lido na semana de arte moderna, que foi uma tentativa bem sucedida de ruptura ao modo burguês, com padrões impostos e já estabelecidos do que é arte, curiosamente, este mesmo modernismo se diluiu em uma imitação originalíssima das já falecidas vanguardas européias, fale um pouco sobre sua visão do modernismo e do chamado pós-modernismo, percebo que seu livro evoca algumas  idéias de ambos, temos até um manifesto nos moldes do manifesto antropofágico no posfácio escrito por você, fale sobre esse manifesto e por que você sentiu necessidade de escrevê-lo?

R: Sim, o poema é  uma citação e, como em Manuel Bandeira, é uma critica da arte pela arte, o domínio da técnica se sobrepondo à mensagem, à significação e ao seu caráter transformador. O que aconteceu com os grandes movimentos de vanguarda? Cansamo-nos do novo, dos grandes manifestos? Qual o último movimento de vanguarda na música? Por onde andará o novo? È possível recriá-lo? A morte da vanguarda européia se deve a destruição de seu passado, para criar o novo acreditava-se que era necessário contradizer suas heranças históricas. Hoje penso na vanguarda como uma releitura transcontemporânea do passado, uma  cadeia ininterrupta de novas combinações sobre conhecimentos sedimentados, novas maneiras de se ver o mesmo ressignificando e alterando suas concepções. Estar adiante é não se prender ao tempo, é ver a mobilidade do passado, a potência do futuro e sua mistura no presente. Escrever o manifesto é um saudosismo retro-futrurista, uma necessidade em criar conceitos e impregná-los de mobilidade. Na “arte contemporânea caiçara” invertemos o antropofagismo, não se trata de regurgitar identidades estrangeiras, mas sim fazer com que essa herança ancestral ecloda em nossas criações, de dentro para fora. O antropofagismo é sintoma de uma visão deformada de valores, onde nos acostumamos, desde o primeiro contato entre o índio e o navegador europeu, a considerar a cultura estrangeira superior à nossa, hábito que se arraigou em preconceito e auto-depreciação. Vivemos na transcontemporaneidade.

5-) Fale um pouco sobre ‘Totem’ seu próximo livro e sobre seu trabalho com o grupo Percurtindo Mundos, você aplica suas idéias e conceitos neste seu próximo livro? Existe uma coisa que me parece sintomática na nossa geração, a ansiedade de criar e a multiplicidade de ações, nos piores casos tudo é opaciado pelo marketing pessoal e nos melhores acontece uma sinergia entre as diversas formas de expressão,como você lida com a questão do marketing e sua relação com a criação artística, te pergunto isso, porque a sua imagem  e a do Percurtindo é difundida em vários blogs e sites na rede mundial de computadores e é interessante saber o que você pensa a respeito?

R: “Totem” é um livro sem fim, pois pretendo escrevê-lo até meus últimos dias, publicando no decorrer dos anos os seus fragmentos. É uma biografia imaginária caracterizada pela multiplicidade de narradores, pela colagem de fragmentos e estilos literários. Foi iniciado em 1994 muito antes da existência do Percutindo Mundos. É preciso dizer que “Totem”  influencia toda minha obra na medida  em que se dilui  por suas facetas, como uma matriz expressando-se por multi-linguagens e meios. A multiplicidade da ação é necessária porque possibilita a recriação da obra por quem a vivencia. Não teríamos arte se não pudéssemos comunicá-la e a Internet é hoje a personificação dos nomadismos e hibridismos que alimentam nossa arte. Trabalho com mais de trinta perfis na rede e através deles comunico e expando minha obra. Vejo cada publicação com uma futura fonte de pesquisa e de inspiração para novas obras, novos conceitos e reflexões.

6-) Quem é Márcio Barreto e o que é a vida para ele ?

R: “se súbito sou tudo
ou ponto,
ou ritmo, ou som, ou silêncio,
ou dia, ou a noite,
ou sono, ou vigília,
dúvida,
enigma, procura...”

A vida é um beijo no momento que se vai.

7-) Como as pessoas podem adquirir o livro O novo em folha ?

Através do e-mail: mb-4@ig.com.br ou pelo tel: 0xx13-34674387

2 comentários:

  1. cara! eu gostei bastante desta entrevista !

    "PARCERIA" entre vi por esta entre veia , parabéms Marcio Barreto

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  2. obrigado, motta... a generosidade é mãe da criatividade... compartilhemos... abraços... márcio barreto

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