segunda-feira, 6 de junho de 2011

Alessandro Atanes

Sublime. Foi com essa ideia que deixei o teatro do Sesc Santos no sábado à noite (04) após assistir Babilônia. Il Terzo Paradiso, dirigido por Ismael Ivo como parte do projeto Arsenale Della Danza. Como não sou crítico de dança, vou comentar o espetáculo a partir de meu arsenal literário. Escrevo sublilme em um dos sentidos que o crítico alemão Erich Auerbach dá à palavra em Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental ao se referir aos efeitos da literatura, um "encantamento sensorial".

As imagens colhidas para ilustrar este comentário não dão conta de repetir o efeito, mas estão aqui para apontar como, para mim pelo menos, Babilônia. Il Terzo Paradiso conseguiu mostrar uma arte para o século XXI, nos preceitos que Italo Calvino deixou ainda na década de 80 em suas Seis propostas para o prôximo milênio. A elas:

1. Leveza (imagen de Akiko-Miyake): "Se quisesse escolher um símbolo votivo para saudar o novo milênio, escolheria este: o salto ágil e imprevisto do poeta-filósofo que sobreleva o peso do mundo, demonstrando que sua gravidade detém o segredo da leveza, enquanto aquela que muitos julgam ser a vitalidade dos tempos, estrepitante e agressiva, espezinhadora e estrondosa, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis enferrujados".

Só acrescento que o salto do poeta-filósofo é a metáfora ideal para o bailarino contemporâneo que, mais do que dançar, busca, pesquisa, relaciona e reflete com o corpo.

2. Rapidez:

"O trabalho do escritor (e do bailarino, nesta aproximação) deve levar em conta os os diferentes tempos: o tempo de Mercúrio (o deus com asas nos pés) e o tempo de Vulcano (o deus com suas forjas); uma mensagem de imediatismo obtida à força de pacientes e minuciosos ajustmentos; uma intuição instantânea que apenas formulada adquire o caráter definitivo daquilo que não poderia ser de outra forma; mas igualmente o tempo que flui sem outro intento que o de deixar as ideias e sentimentos se sedimentarem, amadurecerem, libertarem-se de toda impaciência e de toda contingência efêmera".

3. Exatidão: "... o justo emprego da linguagem é, para mim, aquele que permite o aproximar-se das coisas (presentes ou ausentes) com discrição, atenção e cautela, respeitando o que as coisas (presentes ou ausentes) comunicam sem o recurso das palavras".


4. Visibilidade: "Hoje somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na televisão. Em nossa memória se depositam, por estratos sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira relevo".

Neste item não trago outra imagem do espetáculo, ressalto o cenário sem objetos, a luz branca que no início vem do alto na forma de cone e, no final, a projeção em vídeo de borboletas se mesclando aos bailarinos em uma vivificação da tela. Ou ainda a abertura com uma luz repentina da cena com a bailarina de verde e o bailarino com a cabeça de cavalo.

5. Multiplicidade: "No momento em que a ciência desconfia das explicações gerais e das soluções que não sejam setoriais ou especialísticas, o grande desafio para a literatura (para a dança e para as artes em geral, acrescento) é o de saber tecer em conjunto os diversos códigos numa visão pluralística e multifacetada do mundo".

Destaco aqui a cena em que três bailarinas começam a contar histórias cada uma em sua própria língua, fruto da própria formação do grupo, composto por 25 bailarinos, sendo 13 italianos, três norte-americanos, um grego, um sueco, uma francesa, uma russa e cinco brasileiros.

 
6. Consistência: Calvino morreu antes de proferir a conferência sobre a sexta proposta. Cabe aos artistas e intelectuais do novo milênio lhe dar significado.

Ismael Ivo e os bailarinos de Babilônia. Il Terzo Paradiso fizeram isso.

 

1 comentários:

  1. "Quando leio um texto, e sinto um frio que nenhum fogo é capaz de aquecer, eu sei que aquilo é poesia." Emily Dickinson

    Quando assisto uma dança e rompe em mim um soluço que corta a densidade do silêncio, e se transforma em choro .... gozo ......., eu sei que aquilo é dança.

    Obrigada por este instante tão breve e totalmente inesquecível.

    Vida longa a Ismael Ivo!

    "A arte que é uma co-moção da carne. /A experiência da beleza é auto-conhecimento./Eu me reconheço" Rubem Alves

    Nada como assistir, sentir, pensar e compartilhar.

    Obrigada Alessandro Atanes pelo seu arsenal literário e sensibilidade.

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