segunda-feira, 25 de julho de 2011

Alessandro Atanes, para a coluna Porto Literário do Portogente
Pablo Neruda (1904-1973), poeta chileno Nobel de Literatura de 1971, passou algumas vezes por Santos. No primeiro verso de seu poema Santos Revisitado (1927-1967), do livro A Barcarola (1967), muito lido neste Porto Literário, ele escreveu: “Santos! É no Brasil, e faz já quatro vezes dez anos”, referindo-se às datas do título.

Em uma edição de A Barcarola, publicada em Buenos Aires em 2004 pela editora Debolsillo, que encontrei no último domingo, o editor Hernán Loyola escreve nas notas que há uma crônica de Neruda sobre a primeira passagem por Santos, Imagem Viajante, publicada no livro póstumo Para nascer nasci, de 1978. Abaixo, publico uma tradução a partir da edição da Seix Barral, de Barcelona, do mesmo ano. A crônica abre o caderno 2 do livro, com textos de viagem publicados originalmente no jornal La Nación, de Santiago, em 1927.
Isso faz alguns dias. O imenso Brasil saltou em cima do barco.
Desde cedo, a baía de Santos foi cinzenta, e depois, as coisas emanaram sua luz natural, o céu se fez azul. Então, a margem apareceu na cor de milhares de bananas, aconteceram as canoas repletas de laranjas, pequenos macacos se balançavam ante os olhos e de um extremo ao outro do navio chiavam com estrépito os papagaios.
Fantástica terra. De sua entranha silenciosa, nem uma advertência: os maciços de luz verde e sombria, o horizonte vegetal e tórrido, sua extensão, cruzada, secreta, de cipós gigantescos enchendo a distância em uma circunstância de silencio misterioso. Mas as barcas rangem desaninhadas de caixotes: café, tabaco, frutas por enormes milhares e o odor joga uma das narinas para a terra.
Quarenta anos depois, no poema, o forte cheiro do porto lembrava “uma axila do Brasil calorento”, ou caloroso, na tradução de Olga Savary. Na parte II do poema, todo essa imagem seria reelaborada:
II
Aquele Santos de um dia de junho, de quarenta anos menos,
volta a mim com um triste cheiro de tempo e bananeira,
com um cheiro de banana podre, esterco de ouro,
e uma raivosa chuva quente sobre o sol.
Os trópicos me pareciam enfermidades do mundo,
feridas pululantes da terra. Adeus
noções! Aprendi o calor
como se aprendem as lágrimas, com sobressalto:
aprendi os meses da monção e a insensata
fragrância da manga de Mandalay (penetrante
como flecha veloz de marfim e bochecha),
e respeitei os templos sujos de meus semelhantes,
obscuros como eu mesmo, idólatras como todos os homens.
Pós Escrito
Tanto A Barcarola como Para nascer nasci estão publicados em português. O primeiro pela L&PM, com a tradução de Olga Savary, e o segundo em várias edições desde a década de 80.

Referências:
Pablo Neruda. La Barcarola. Edição e notas de Hernán Loyola. Prólogo de María Grabriela Mizraje. Buenos Aires: Debolsillo, 2004 (1ª edição 1967).
Pablo Neruda. Para nacer he nacido. Barcelona, Espanha: Seix Barral, 1978.

0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.