domingo, 7 de agosto de 2011

Alessandro Atanes, para a coluna Porto Literário do Portogente

Apresentei o poeta peruano Javier Heraud (1942-1963) quando traduzi trechos de suas Viagens Imaginárias. Escrevi sobre ele que “o tema das chegadas e partidas, de pessoas, de rios e de estações, atravessa sua obra poética”. Hoje, ficamos com seu primeiro livro O Rio (1960), metáfora do percurso humano em que canta em primeira pessoa a travessia de um rio, da nascente ao mar, o que se manifesta desde o primeiro verso, “Eu sou um rio”.

O rio de Heraud desce por pedras, entre árvores, recebe as chuvas, passa por pontes, às vezes é “terno e bondoso”, outras “bravo e forte”, transborda e inunda “casas e pastos”. As partes 7 e 8 do poema narra a interação entre o rio e a vida humana.

7
Eu sou o rio que canta
ao meio-dia e aos
homens,
que canta ante suas
tumbas,
o que volta seu rosto
ante os leitos sagrados.

8
Eu sou o rio anoitecido.
Eu desço pelas profundas
quebradas,
pelos ignotos vilarejos
esquecidos,
pelas cidades
atestadas de público
nas vitrines.
Eu sou o rio,
agora vou pelas pradarias,
há árvores ao meu redor
cobertas de pombas,
as árvores cantam com
o rio,
as árvores cantam
com meu coração de pássaro,
os rios cantam com meus
braços.

Na nona e última parte, o rio chega ao fim da vida no mar, ou a vida chega ao fim do rio na morte.

9
Chegará a hora
em que terei que
desembocar nos
oceanos,
que mesclar minhas
águas limpas com suas
águas turvas,
que terei que
silenciar meu canto
luminoso,
que terei que calar
meus gritos furiosos ao
amanhecer de todos os dias,
que clarear meus olhos
com o mar.
O dia chegará,
e nos mares imensos
não verei mais meus campos
férteis,
não verei minhas árvores
verdes,
meu vento próximo,
meu céu claro,
meu lago escuro,
meu sol,
minhas nuvens,
não verei nada,
nada,
unicamente o
céu azul
imenso
e
tudo se dissolverá em
uma planície de água,
onde mais um canto ou um poema
serão só pequenos rios que descem,
rios caudalosos que descem para se juntar
em minhas novas águas luminosas,
em minhas novas
águas
apagadas.

Pós Escrito
Militante do Exército de Libertação Nacional do Peru, Javier Heraud morre em 15 de maio de 1963 justamente no leito de um rio, o Madre de Dios, em frente à cidade de Puerto Maldonado, baleado pelo exército.

Referência:
Javier Heraud. El Río. In: Poesía Reunida. Lima, Peru: Peisa, 2010.

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