quinta-feira, 1 de setembro de 2011



Alessandro Atanes, para o Porto Literário

Quanto mais venho conhecendo a poesia e a prosa poética do chileno Roberto Bolaño (1953-2003), mais encontro semelhanças entre estes primeiros escritos do autor de Os detetives selvagens e a poética de Marcelo Ariel (foto), autor que vive em Cubatão, principalmente o livro Tratado dos anjos afogados (2008).

Notei isso pela primeira vez no ensaio Sobre sonhos e escritores, no qual registrei como em alguns poemas os dois adotam o mesmo procedimento narrativo. Trouxe da livraria Cultura na semana passada Amberes (2002, prosa poética) e La Universidad Desconocida (2007, poesia), com escritos realizados entre 1979 e 1993 ainda sem tradução publicada no Brasil, apesar de o autor ser um best seller e estar na moda.

Não quero aqui colocar os dois no mesmo patamar. Bolaño já é um novo clássico, Ariel está na luta pelas estantes do futuro. Mas isso não impede que uma obra ilumine a outra, principalmente se colocarmos frente a frente a obra do brasileiro com a literatura produzida durante os anos de formação do chileno.

Tenho encontrado outros elementos comuns entre as duas: o terror (o autoritarismo latino-americano em Bolaño herdeiro do nazismo, a tragédia metafísica da periferia de um país periférico em Ariel, tudo a ver um com a outra); um clima de ficção-científica dark, que amplifica esse terror; os sonhos com outros escritores e artistas; as referências e reverências contínuas a outros autores.

Mas o que mais tem me chamado a atenção com a primeira leitura de Amberes e La Universidad... foi outra coisa, que vou precisar de mais leituras para apurar com mais concretude. É um clima, uma narrativa vaga, mas não imprecisa, na qual as coisas se esfumaçam um pouco, em poemas que geralmente terminam abertos ou interrogativos. Dois exemplos:

Desintegração – Morte

Daqui brota a
linguagem
do outro lado
o pensamento vem
como num baile
os dois dançam
o baile acaba
ser a linguagem cessam
o pensamento
vê a porta aberta
e flutua até
um abstrato quando.

e

28. Um lugar vazio perto daqui

“Tinha os bigodes brancos ou grisalhos”... “Pensava na minha situação, estava sozinho outra vez e tratava de entender isso”... “Agora ao lado do cadáver há um homem magro que tira fotos”... “Sei que há um lugar vazio perto daqui, mas não sei onde”...

O primeiro é de Ariel, do Tratado..., e o segundo de Bolaño, do Amberes (Antuérpia, em espanhol, tradução da coluna). A seguir outra dupla:

Às 4 da manhã velhas fotografias de Lisa
entre as páginas de um romance de ficção científica.
Meu sistema nervoso se desdobra como um anjo.
Tudo perdido no reino das palavras às 4
da manhã: a voz do homem ruivo arqueia a piedade.
Velhas fotografias casas daquela cidade
onde lentamente fizemos amor.
Quase uma gravura em madeira, cenas
que se seguiram imóveis ramagem entre dunas.
Dormindo sobre a mesa digo que era poeta,
um muito tarde, um querido acorda,
ninguém queimou as velas da amizade

e

O amor

Amizade
Fio invisível que se dilata
no espaço tempo
se movendo para
dentro

Quando há vários fios
é a energia do silêncio
que os sustenta
Onde dois pontos
convergindo para um centro
ainda não
são.

O primeiro, sem título, é de Bolaño, de La Universidad..., e o outro, de Marcelo Ariel, também do Tratado...

Pós Escrito
Como disse, uma obra já está estabelecida a outra ainda está conquistando seu espaço. Estão em momentos diferentes, mas irmanadas em uma ótica comum do fazer literário, que Bolaño expõe no poema:

Minha carreira literária

Negativas da Anagrama, Grijalbo, Planeta, com toda segurança
também de Alfaguara, Mondadori. Um não da Muchnik,
Seix Barral, Destino... Todas as editoras... Todos os
        leitores
Todos os gerentes de vendas...
Sob a ponte, enquanto chove, um oportunidade de ouro
para ver a mim mesmo:
como uma serpente no Polo Norte, mas escrevendo.
Escrevendo poesia no país dos imbecis.
Escrevendo com meu filho nos joelhos.
Escrevendo até que a noite cai
com um estrondo de mil demônios.
Os demônios que hão de me levar para o inferno,
mas escrevendo.
Outubro de 1990

Artigos do Porto Literário sobre Ariel e Bolaño:
Ficção e biografia em Bolaño
A simetria entre gíria e teoria na obra de Roberto Bolaño
Ariel, Borges e a ficção de Cubatão


Referências:
Roberto Bolaño. Amberes. Barcelona, Espanha: Anagrama, 2002.
Roberto Bolaño. La Universidad Desconocida. Barcelona, Espanha: Anagrama, 2007.
Marcelo Ariel. Tratado dos anjos afogados. Caraguatatuba: LetraSelvagem, 2008.

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