quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Agora em 11 de outubro, foi lançado o filme Santos: cidade passagem, de Gabriela Canale. Quem passou em frente ao Sesc Santos durante a Bienal de Dança em setembro conhece ao menos um trabalho do qual a autora fez parte: a instalação 100 lugares para dançar, projetada na fachada do Sesc na Rua Conselheiro Ribas.


Santos - cidade passagem from Gabriela Canale on Vimeo.

O filme foi publicado no blog Santos (Residência Artística) e a mim pareceu com a mesma pegada ensaística de Performing the border, sobre o qual escrevi há poucas semanas, um vídeo-ensaio de Ursula Biemann, artista, curadora e pesquisadora das relações socioespaciais de migração, mobilidade, tecnologia e gênero.



I
Para começar, não quero dizer que os filmes sejam iguais ou que comunguem de preceitos estéticos. Performing... tem como tema a violência contra a mulher jovem mexicana, desde sua inserção na globalização econômica por meio de empregos degradantes em fábricas “embotelladoras” localizadas na fronteira entre México e Estados Unidos até os assassinatos de centenas delas nos últimos anos nas cidades daquela região.

O filme faz um retrato macroscópico da situação. Caso essa descrição faça pensar em algo jornalístico, por favor, é minha pouca capacidade descritiva. A narrativa é autoral e as imagens estão sempre em movimento, tomadas geralmente de dentro de um carro vagando por ruas do terceiro mundo e vastidões do deserto. Mesmo assim, devido à urgência do tema, o filme também é composto por um forte sentido de indignação, ainda que busque entender, daí se identificar como ensaio, ou ao menos perguntar, porque tais assassinatos continuam tão comuns.

Ainda que não explore algo com tal “urgência”, o tema de Gabriela Canale também é de uma experiência social delimitada em um território (ou mais), no caso, a chegada de milhares de imigrantes italianos ao nosso porto. Mesmo que também maneje um tema macroscópico, a autora preferiu a escala reduzida, microscópica, e se move pela experiência de sua própria família, explorando sua própria memória e a enciclopédia de relatos que tem ouvido desde a infância. A mudança de escala permite que a história da imigração (que também contou com seu componente de violência social e conflito: expatriação, exílio, fuga da pobreza, adaptação, etc...) seja contada de forma afetiva, ainda que também sempre se perguntando, buscando, tecendo relações.

Esse equilíbrio entre o fato social e coletivo e a trajetória individual e afetiva se mostra bem nítido quando a narradora conta que seus avós, assim como muitos imigrantes, “nunca viram uma foto, nem em preto e branco, do país em que morreriam”. Pelo Porto de Santos chegaram os Canale e todos os sobrenomes italianos de milhares de brasileiros.

II
A fronteira de um filme é a da exploração; a do outro é a de um porto de chegada, isto é, de onde se chega quando se foge da exploração e onde se concentram as expectativas e esperanças, o que certamente contribui para o tom afetivo do filme. Isso se dá na forma de tomada das imagens: Performing... traz cenas feitas de dentro de um carro em movimento, trepidantes, algumas feitas à noite com iluminação deficiente; as de Santos: cidade passagem navegam tranquilas pelo canal do estuário, mostrando muretas, cordas, guindastes em uma “paisagem-passagem”.

Apesar das diferenças de tom (urgentes umas, afetivas as outras), as imagens dos filmes erram, isto é, são errantes, exploram o espaço.

Saída
Além do filme, o blog Santos (Residência Artística) registra exatamente isso, o processo de concepção e tomada de imagens do filme enquanto a autora esteve na cidade durante a realização da Bienal. Em 1º de setembro, por exemplo, ela escrevia algo que ilumina estas questões acima sobre memória ou a natureza do ensaio:

Penso em uma estrutura de filme que dialogue com o tempo, com a ideia de aceleração do tempo que se deu desde os idos do século XIX, quando meus antepassados vieram para o Brasil, até hoje. Este tempo atual do descartável, da velocidade que a acumulação e fluidez dos capitais criaram e que se constitui no nosso cotidiano. Além da dinâmica dos mercados, que nos coloca este outro tempo, as tecnologias também aceleram a experiência de tempo. Se eram dias de viagem da Itália até o Brasil, hoje são horas e voo. Se era preciso a longa exposição para criar uma foto, hoje ela é quase automática. Se havia a contemplação do espaço, hoje temos a fluidez do contato visual e veloz com a cidade.



0 comentários:

Postar um comentário

Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.