quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Uma crônica de Ademir Demarchi

A turma do cafezinho estava inspirada. Com a palavra, em seu tom habitualmente professoral, magro como um espantalho, o “doutor” Lazarinho professava: “Lá por 1294 depois de Cristo a palavra medalha, quando surgiu, tinha o sentido de “moeda de pouco valor”, mas com sua adoção com efígies dos poderosos e gloriosos ela se valorizou, sendo de grande honradez receber uma e pendurar no pescoço”.

Você deve saber, não é, que lugar de cafezinho é onde o diabo costuma se encostar e como ele sempre se veste em pessoas diferentes, desta vez se ocupou da língua do “iminente” consultor jurídico daquela egrégia casa legislativa de uma cidade qualquer e que tanto faz ser assim pois são todas iguais com todos os mesmos personagens se tratando de doutor sem ser, todos com os olhos desejando algo em Brasília.

Aquele consultor jurídico justamente há muito não lia um compêndio, depois de decorar para sempre toda a constituição. Tornara-se um ocioso e a ociosidade o transformou num falastrão amargo e com negócios escusos no ramo de criação e corridas de cavalos. Pois ele, que até então estava quieto, deu um bico na “xícara” de plástico sugando aquela porqueira escura e disse: “Mas eis que se passaram 700 anos, doutor Lazarinho, e de novo de uma medalha já não se pode dizer que seja moeda de pouco valor, pois não vale nada mesmo!

Havia tudo ali para a discussão acalorar-se se não entrasse na sala um vereador em mangas de camisa e pernas de calça, pois estava de bermudas, pedindo pelo discurso que iria ler logo mais, justamente em uma entrega de medalhas. Como nesses lugares essas conversas não têm repercussão alguma, não prosperam e nem servem para nada mais além de ocupar o tempo dos que nada têm o que fazer e distraí-los enquanto engolem a tintura do copinho, cada um foi fazer nada em suas cavernas com ar condicionado.

Com as mãos amaciadas por anos a fio a custo de muitos cremes e papéis, o “doutor” Lazarinho foi pegando com leveza no saco do “nobre” vereador, levando-o para a sala da Super Visora, onde admiraram o brilho suntuoso das medalhas. Lá estavam os finos laços de cetim verde, em menção à pátria, as caixas vermelhas com almofadas de feltro e, se não bastasse, diplomas com letras ornadas e enfiruladas de dourado que ela providenciara com zelo e agora mostrava chamando atenção para cada detalhe, olhando-o de cima de seus 15 centímetros de salto.

Sentindo-se orgulhoso do bonito que ia fazer à noite o vereador estufou uns dois centímetros mais o peito, parecendo ainda mais um galo e, por ser baixo, logo um garnizé cantando manias de grandeza como se de fato acordasse o planeta todas as manhãs, que justamente com esse canto começava a se mover das trevas transformando-se nessa correria em busca do progresso que só a luz do dia permite ver plenamente. 

Nisso entrou na sala o escritor fantasma com uma cópia do discurso escrito com ciosa pesquisa para engrandecer os ilustres engenheiros e arquitetos do universo local, que receberiam aquelas medalhas e a chuvisqueira perdigota de elogios. O vereador passou os olhos pelos papéis, viu o nome do famoso arquiteto Niemeyer, que ele tivera a oportunidade de conhecer quando fora ao Rio em comitiva buscar um projeto de mirante para as grotas da cidade.

Se Niemeyer estava ali, e junto com o engenheiro que colocava as muletas calculosas em suas fantasias, já era meio caminho andado para ampliar o estreitamento de laços com os irmãos engenheiros e arquitetos do universo local e com a plateia em que esperava arrancar votos para as sempre próximas eleições. Como era esperado, pegou o discurso e foi enfiar-se no banheiro para decorá-lo em ensaios de voz alta enquanto todos se riam dele lá fora no cafezinho.

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