sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Alessandro Atanes, para o Porto Literário

Derek Walcott lê seus poemas
Começava a anotar umas frases para a coluna quando, na terça à noite, no canal Futura, vi o repórter do programa “Passagem para...” na ilha de Santa Lúcia, nas Antilhas, local de nascimento do poeta Derek Walcott (1930, fará 82 anos agora em 23 de janeiro), Nobel de 1992, homem apresentado nas entrevistas por um professor de literatura como quem inscreveu a identidade do jovem país, independente do jogo entre França e Inglaterra há poucos 33 anos (fiquei chocado ao constatar que sou mais velho que um país).
Voltei então a uma coluna de setembro de 2010 – Esquinas do mundo – no qual trato de uns versos de Walcott comentados pelo poeta russo Joseph Brodsky, Nobel de 1987, dos quais ensaio uma nova versão, antecedida, para fins de comparação por:

I
Original
I’m just a red nigger who love the sea,
I had sound colonial education,
I have Dutch, nigger and English in me,
and either I’m nobody, or I’m a nation.
Leia aqui o poema na íntegra.

II
A tradução dentro da tradução
O tradutor do ensaio de Brodsky, Sergio Flaksman, na nota aos versos originais traduziu assim os versos acima:
Sou só um negro vermelho que adora o mar,
tive uma sólida educação colonial
tenho holandês, negro e inglês em mim,
e não sou ninguém, ou sou uma nação.
Ao qual, como comentei no texto, trocaria vermelho por ruivo. “Negro ruivo” fica melhor e destaca o aspecto mestiço da expressão, que em inglês tem uma acepção depreciativa que une racismo com comunismo que “negro vermelho” não explica muito. Notem também como o "sound" (som, sonora) se transformou em "sólida" -  e apesar dessa observação que faço especificamente à tradução do verso de Walcott, é impecável a versão em português de Flaksman para o texto de Brodsky publicada em 1994. 

III
A nova versão
Provocada pelo programa, a releitura do ensaio – O som da maré – me fez notar um comentário de Brodsky sobre o segundo verso, que me levou a nova versão. Tudo começa quando ele apresenta o treco, uma aula poética:
Esta estrofe lépida nos informa tanto sobre seu autor quanto um canto – poupando-nos de olhar pela janela – nos diz que há um pássaro lá fora. O love dialetal [a norma indica who loves] nos diz que está falando sério quando se diz a red nigger. A sound colonial education pode muito bem se referir à Universidade das Antilhas, onde Walcott se formou em 1953, embora este verso ainda diga mais coisas, como veremos mais adiante. No mínimo, ele nos transmite tanto desprezo pela locução típica da raça senhorial quanto o orgulho do nativo por receber esta educação.
Como prometido, ele volta ao segundo verso da estrofe como um componente decisivo em suas considerações e conclusões, quando fala que a “sabedoria da língua” se manifesta em sua poesia:
É nisto que consiste a sound colonial education; é isto que significa ter English in me. Com o mesmo direito, Walcott poderia ter dito ser grego, latim, italiano, alemão, espanhol, russo ou francês: por causa de Homero, Lucrécio, Ovídio, Dante, Rilke, Machado, Lorca, Neruda, Akhmatova, Mandelstam, Pasternak, Baudelaire, Valéry, Apollinaire. Não são suas influências – são as células de seu sangue, não menos do que Shakespeare ou Edward Thomas, porque a poesia é a essência da cultura mundial.
Daí, então, a nova versão, que busca o som e os ecos e, por isso, mesmo adota “sonora educação” no lugar de “sólida” e outras soluções sonoras:
Eu sou um negro ruivo qu’adora o mar,
eu tive uma sonora educação colonial,
eu tenho holandês, negro e inglês em mim,
e não sou ninguém, ou uma nação.
Pós Escrito
Após o artigo de 2010, Esquinas do mundo acabou sendo o nome do projeto que apresentei para o Fundo Municipl de Cultura com o objetivo de transformar em ensaios uma série de artigos que tenho escrito nos últimos anos sobre as relações entre História e Literatura a partir de textos que têm o porto de Santos e outros portos como tema ou cenário. O projeto foi selecionado em dezembro junto com outros 12. Aguardo agora a assinatura do contrato com a Secretaria de Cultura de Santos. 

Referência:
Joseph Brodsky. O som da maré. In: Menos que um: ensaios. Tradução Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

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