quarta-feira, 18 de julho de 2012

Alessandro Atanes

Imagem de Edu Marin
Em um dos encontros da oficina “Conheça Santos por meio da Literatura”, conversamos sobre a diferença de sensibilidades entre poetas do século passado e da primeira década deste século XXI ao retratarem o Porto de Santos.

A coisa toda é mais uma pista, a ponta do fio que começamos a puxar. Do século passado, tratamos de poemas de Rui Ribeiro Couto (Santos, 1939), Roldão Mendes Rosa (Porto, da década de 50 ou 60, publicado postumamente em 1991) e Narciso de Andrade (Cais, década de 50 ou 60, publicado em 2006). Os dois primeiros são marcados por um profundo sentimento de nostalgia (“Nasci junto do porto / ouvindo o barulho dos embarques”, Couto; “Por que / este amor ao cais / se o que espero / não viaja?”, Roldão). Por trás da escrita dos poetas, neles se percebe uma criança que nasceu em torno do cais. Já no poema de Narciso, vemos a presença do então repórter de porto no cais, vendo os detalhes (a espuma na superfície da água, um passarinho no mastro) misturado à nostalgia dos dois acima (“Com tanto navio para partir / minha saudade não sabe onde embarcar”).

Podemos identificar a transição no poema Raízes, de Madô Martins, publicado em 1999, às vésperas do século XXI. Vemos na última estrofe como a nostalgia vai cedendo espaço à desolação: “Moro no Sul / e jamais migro. / Procuro mensagens em garrafas, / na areia da praia, / mas só encontro conchas e maresia.”

Desolação que se manifesta completamente na obra de Alberto Martins. Seu livro Cais, de 2002, é rico nestas imagens: “e o casco? / É úmido. Está coberto / de cracas e a ferrugem / que rói as chapas / rói a carga”, ou “Triste cidadã litorânea / meus olhos mal te distinguem / da terra do mar da lama”, ou ainda “Aqui eu moro / entre bandeiras de diferentes donos / e as grossas placas de aço do abandono”. No livro seguinte, então, A História dos Ossos (2004), o Cemitério do Paquetá é transformado em um pátio de contêineres.

Em Flávio Viegas Amoreira, esse aspecto se dá pela paisagem litorânea sendo afetada por uma infecção de linguagem literária que, apesar de manter aspectos de lirismo, nada lembra a nostalgia do século anterior. É um processo que ocorre em Maralto (2002) e A Biblioteca submergida (2003) e chega ao ápice, desde o título, em Escorbuto – Cantos da Costa (2005): “CHOVENOMAR desperdício estarmundo / CHOVENOMAR acontece / POEMASPONJA recolhos reunimentos / meus poros são olhos! Pontos focados / pés castos / costados dobradiços / jazz aqui poensia: ex-boçamento”.

Após a primeira incursão pela paisagem litorânea em Do sereno que enche o Ganges (2007), agora, em 2012, também com momentos líricos, Ademir Demarchi busca em Costa a Costa fazer poesia sem nostalgia, como em Baía de Santos:
no alto do morro do Itararéo vento aos olhos sussurracom aleivosia os saboresdas carnes doces da baíasalpicada de navios e contêineresazulada como um peixesanguínea como um sereia no ciosubo para vê-la, desço para perdê-la
Epílogo
Da nostalgia (“com tanto navio para partir / minha saudade não sabe onde embarcar”) à desolação (“desço para perdê-la”), que mudanças sociais e culturais alimentaram esta alteração do registro poético. É daí que novas pesquisas sobre a relação entre o porto e a cidade podem começar.

Referências:
Rui Ribeiro Couto. Santos. In: João Christiano Maldonado (org). Poesia de Santos. Santos, edição do autor, 1977.

Roldão Mendes Rosa. Poemas do não e da noite. Apresentação de Narciso de Andrade. São Paulo-Santos: Editora Hucitec, Prefeitura Municipal de Santos, 1992.

Narciso de Andrade. Poesia sempre. Santos: Editora Unisanta, 2006.

Madô Martins. Raízes. In: Doce Destino. São Paulo: Massao Ohno Editor, 1999.

Alberto Martins. Cais. São Paulo: Editora 34, 2002.

Alberto Martins. A História dos Ossos. São Paulo: Editora 34, 2004.

Flávio Viegas Amoreira. Maralto. Rio de Janeiro: 7Letras, 2002.

Flávio Viegas Amoreira. A Biblioteca Submergida. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003.

Flávio Viegas Amoreira. Escorbuto – Cantos da Costa. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.

Ademir Demarchi. Do sereno que enche o Ganges. In: Pirão de Sereia. Santos: Realejo Edições, 2012.

Ademir Demarchi. Costa a Costa. In: Pirão de Sereia. Santos: Realejo Edições, 2012.

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