quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


Alessandro Atanes, para o Porto Literário

O fim do mundo é nossa última utopia
É mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo
Pepe Rojo

É o fim do mundo esse negócio de fim do mundo
Paulo de Toledo

A mais profunda selvageria é o desejo perpétuo do fim do mundo…
Marcelo Ariel

Aproveitando a comoção mundial em torno do fim do mundo, a editora Kodama Cartonera, de Tijuana (México), um dos mais de 100 selos artesanais espalhados pela América que utilizam papelão na realização das capas dos livros, lançou na semana passada a coletânea Poesía para el fin del mundo (Poesia para o fim do mundo), com seleção de autores feita por Estela Mendoza.

Formado por duas seções, Caos na ordem e Ordem do Caos, ensanduichadas por uma abertura de Pepe Rojo (de onde saiu uma das epígrafes acima), um intervalo da própria compiladora e um epílogo em poesia de Mavi Robles-Castillo, o livro reúne poetas principalmente do México ou que vivem naquele país, mas há também representantes do Peru, El Salvador, Equador, Chile e Brasil, chegando a mais de 80 autores.

Quem representa nosso país na coletânea do fim do mundo é Marcelo Ariel, com o poema Novas Revelações do Príncipe do Fogo (transportado para o espanhol por este colunista), que abre o livro. O trecho inicial, transcrito a seguir, mostra como segue forte a capacidade imagética de Ariel para compor a catástrofe, que o leitor do Porto Literário e da Revista Pausa conhece a partir de seus poemas que tratam da tragédia de Vila Socó (ver aqui).

Novas Revelações do Príncipe do Fogo
(poema inacabado comentado)
Para Febrônio Índio do Brasil

Eu sou a árvore,
feche os olhos,
primeiro você vê as armas
do Sol: As manhãs
e eis a beleza terrível se movendo
na pele do antisonho
e na do mar também,
eis as nuvens de sangue,
cavalos selvagens da luz
cavalgados pelo vento,
este corpo do espírito geral,
eis o céu
que jamais será
como os campos
porque é incorruptível,
apesar do rugido dos aviões,
evocando a raiva dos pássaros,
depois você verá o espetáculo
das montanhas de ossadas,
quase tocando o céu,
isso jamais terá seu poder nomeado,
será como o Sol.
Um Poder que estava em nós,
mas não pertencia a ninguém.
Agora, você verá a escuridão dourada,
não é um grito do céu
como o indecifrável canto das mônadas
caindo em ondas
imperceptíveis, humilhando
todos os místicos
que irão correr em sonho por cima do mar
até chegar na África Geral,
eles e nos, anestesiados
pela conversa silenciosa das ossadas,
que sussurram na hora do despertar:
“Não basta você flutuar por aí,
na margem etérea do sonho, meu Irmão!”
e depois começam a cantar…
E eis que Ele retorna das Áfricas Reunidas,
a beleza das chacinas
é como a das explosões solares,
Ele pensa
A expansão solar rindo por último
e depois a gargalhada dos mangues e das florestas
e a dos países oceânicos também,
diz a Estrela-do-Mar.

Aproveito a ocasião para trazer para o português um dos poemas do livro, Fin del mundo (Versión 2.0), de Héctor Loza, mexicano de Mexicali que vive em Tijuana. Seu trabalho pode ser acompanhado no blog http://h1dopp1er.wordpress.com:

Fim do Mundo (Versão 2.0)

Um dilúvio de lápis furiosos nos afogará de palavras até o pescoço.
Esses anjos entralhados em grafite com as extremidades afiadas
nos apagarão do mapa para sempre.

Não haverá mensagem urgente ou pregação que valha.
Como corvos rapaces e inclementes ditarão sua sentença em nossas caras:
Nunca mais. Nunca mais. Será a morte.

A ironia semeia dúvidas e as dúvidas respostas.
É demais dizer, mas tudo isso ocorre em um tempo sem tempo.
Tudo isso ocorre aqui e ali, longe e perto.
Tudo isso faz eco, soa, ressoa no interior de cada um,
onde a voz da consciência é apenas uma reverberação do cruel silêncio
Tudo isso que calamos, tão parecido com o medo.
Tudo a que aspiramos, aquilo irremediavelmente envolto em esperança.
Tudo o que seremos quando este mundo acabar e já nada restar:
Nem uma só pomba cruzando o céu,
nem uma só árvore de vida onde façamos ninho,
nem uma gota de chuva para enxaguar o ego e começar do zero,
como dizem que fizemos não sei já quantas vezes.

Não restará absolutamente nada. Este mundo acabará (talvez esteja certo).
Mas terás o céu, o sol e o vento novo.
E ninguém mais do que o pó será teu semelhante.
Serás fim e princípio desta a NOVA ESPÉCIE.
A que sustenta o mundo nas mãos.
O homem que transforma realidades apenas imaginando.
Olha-te no espelho. Todos estão em ti.
Aquele que escreveu dez mandamentos. O que cometeu sete pecados.
O que amou a sua mãe e seu pai, e amou a si próprio até a saturação.
O que disse que o homem voaria. O que foi até a Luz e não voltou.
O que ganhou a guerra sem se manchar. O que não matou ninguém mas morreu de fome.
O que roubou um pedaço de pão e foi para a cadeia. O que pisou em todos até se tornar rei.
O que falhou ao disparar uma arma. O que pariu a ideia e começou a Revolução.
O que recomenda a doutrina do olho por olho. O que engoma suas camisas apegado à lei.
O autômato em tempo integral. O amante de fim de semana.
O filho pródigo, o marido perfeito, o pai exemplar, o irmão Caim.
O que dá, o que divide. O que viola e transgride qualquer norma, corpo ou forma.
O que vive, o que pensa, o que sente. O que triunfa, o que perde.
O que cala, o que mente, o que sempre diz a verdade.
O que causa empatia, o simpático, o que fere, o canalho, o ruim.

O que escreve um poema e manda apagar. 

Referência:
Vários autores. Poesía para el fin del mundo. Compilação de Estela Mendoza. Tijuana, México: Kodama CArtonera, 2012.

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