quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Uma entrevista com Luiz Bras, organizador da coletânea Hiperconexôes: realidade expandida



Por Márcia Costa 

A antena de Luiz Bras, escritor e crítico dos mais respeitados da literatura contemporânea, é mais do que eficiente em descobrir novos talentos da ficção. Ele é também um interessado em se embrenhar por temas que o desafiam, para depois reinventá-los por meio da literatura.

"Espantei-me ao ver pela primeira vez, no Centro Espacial de Hooloomooloo, uma prótese neurológica conectada a um exoesqueleto. Agora estou tentando resolver, na literatura, a mesma mistura de fascínio e medo que nossos antepassados sentiram ao domesticar o fogo. Só acredito em biografias imaginárias. E nos universos paralelos de Remedios Varo", diz ele em seu blog (http://luizbras.wordpress.com/).

É que a vida precisa ser colorida pela invenção, explica o ficcionista e coordenador de laboratórios de criação literária que venceu duas vezes o importante e impossível Prêmio Príncipe de Cstwertskst, na categoria romance (2010) e na categoria conto (2014).

De uns tempos pra cá, Luiz, que vive em um mundo tecnocientífico e hipertecnológico (às vezes um tanto real, às vezes um tanto fictício, no qual se fala muito em transformação da constituição biológica), passou a se indagar: o que é o pós-humano? A tarefa de elucidar o tema já ocorre na academia, por nomes como Lucia Santaella, e na literatura, pela prosa e pela ficção. Então, ele resolveu perguntar à poesia que, até então, não havia se aventurado pela revolução pós-humana. A provocação foi feita a uma centena de poetas de todo o Brasil, dos quais 65 encararam o desafio da reflexão poética. Assim, algumas respostas e outras tantas perguntas surgirão na antologia de poemas sobre o pós-humano, Hiperconexões: realidade expandida (volume 2), a ser lançada no dia 18 de outubro, às 15h, no Hussardos Clube Literário (Rua Araújo, 154), em São Paulo. 

A proposta dessa coletânea vai além do compromisso e do interesse do artista Luiz Bras. Ela revela a postura engajada do intelectual que tenta acompanhar e discutir as complexidades do homem contemporâneo a partir de uma pesquisa poética que talvez não transforme as pessoas ou a sociedade, mas, no mínimo, irá enchê-las de novos pontos de interrogação. A seguir, uma breve entrevista com o organizador.

O que é o pós-humano?

Na afirmação concisa de Lucia Santaella, pós-humano refere-se a “uma convergência geral de organismos e tecnologias, a ponto de se tornarem indistinguíveis”. Esse é o tema do debate mais interessante do nosso tempo tecnocientífico e hipertecnológico. Debate preocupante, extremado, sobre o futuro de nossa espécie. Pela primeira vez na história da humanidade, somos capazes de mudar nossa própria constituição biológica. No começo deste século, Francis Fukuyama percebeu bem o problema: “se casais endinheirados, através da engenharia genética, tiverem a oportunidade de aumentar a inteligência de seus filhos, assim como a de todos os seus descendentes, teremos não apenas um dilema moral mas uma guerra total de classes.” Cientistas, filósofos, sociólogos e juristas estão tentando entender, prever e evitar os novíssimos problemas que a engenharia genética criará pra nossos filhos e netos. Ou seja, neste exato momento o antigo conceito de humano está passando por uma profunda transformação.

Como nasceu a antologia Hiperconexões: realidade expandida?

O pós-humano é um tema antigo na prosa de ficção estrangeira e brasileira. Há centenas, talvez milhares de ótimos contos e romances sobre essa convergência geral de organismos e tecnologias. Philip K. Dick escreveu muito sobre ciborgues, replicantes e indivíduos geneticamente modificados. Os ficcionistas do movimento cyberpunk povoaram o planeta de pessoas conectadas a inteligências artificias. Mas na poesia esse tema não é muito comum. Enxerguei nessa lacuna a oportunidade de propor algo original, se esse adjetivo ainda fizer sentido hoje em dia. Então, o desafio foi reunir um bom número de poetas brasucas que topassem escrever um ou mais poemas sobre a revolução pós-humana, que já está em andamento nos principais centros de pesquisa do planeta. É por isso que eu afirmo que Hiperconexões: realidade expandida é a primeira antologia consistente de poemas sobre o pós-humano da literatura brasileira. Talvez da literatura mundial. O primeiro volume, lançado no verão de 2013, reúne trinta poetas e pode ser lido também online (http://issuu.com/terezayamashita/docs/hiperconexoes_realidade_expandida). O volume 2, mais encorpado, sai agora pela Editora Patuá, com apresentação do professor Ramiro Giroldo, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e posfácio do poeta e editor Victor Del Franco.

Quem são os escritores que participam do volume 2 da antologia e como chegou a estes nomes?

Tenho a sorte de conhecer pessoalmente muitos escritores talentosos. Então, não foi difícil enviar o convite a mais de uma centena de poetas. Também contei com a ajuda de três bons amigos, que apoiaram bastante o projeto: Ana Peluso, Flávio Viegas Amoreira e Victor Del Franco. O trio indicou outros poetas, que eu não conhecia. Um terço dos convidados agradeceu mas recusou o convite, por não se sentir confortável com o tema. Os sessenta e cinco poetas que participam do volume 2 da antologia são: Ademir Demarchi, Adriane Garcia, Adrienne Myrtes, Alberto Bresciani, Alexandre Guarnieri, Amarildo Anzolin , Ana Peluso, André Carneiro, André Luiz Pinto, Andréa Catrópa, Bernadete Reutman, Carlos Lineu, Ciberpajé (Edgar Franco), Claudio Brites, Danilo Gusmão, Dennis Radünz, Elaine Valeria, Elisa Andrade Buzzo, Eloésio Paulo, Fabiano Calixto, Fabiano Fernandes Garcez, Fábio Fernandes, Fernando Koproski, Flávio Viegas Amoreira, Fred Vieira, Gilberto Mendes, Gilmar Barros, Guilherme Scalzilli, Isaias de Faria, Ivan Hegen, Jane Sprenger Bodnar, Joba Tridente, Jussara Salazar, Luci Collin, Madô Martins, Manoel Herzog, Marcelo Ariel, Marcelo Finholdt, Marcelo Maluf, Marcelo Sousa, Márcia Barbieri, Márcio Barreto, Márcio-André, Maria Balé, Mariana Ianelli, Mariana Teixeira, Marilia Kubota, Mário Martinez, Ninil Gonçalves, Patricia Chmielewski, Renato Rezende, Reynaldo Damazio, Ricardo Miyake, Rodrigo Garcia Lopes, Rodrigo Petronio, Ronaldo Cagiano, Silvana Guimarães, Sônia Barros, Tarso de Melo, Thiago Domingues, Valerio Oliveira, Victor Del Franco, Victor Paes, Virna Teixeira e Whisner Fraga.

Qual o papel de uma antologia de poemas hoje, dentro do universo literário brasileiro, tão diverso e polêmico?

Minha sorte é que não alimento expectativas, rs. Esse é o melhor caminho para a felicidade. Poesia sempre foi um empreendimento de altíssimo risco. No mundo todo, em qualquer época. Mas não ficarei surpreso se os deuses do destino forem gentis com a nossa antologia. Há nela um inquietante poder de permanência. Na cacofonia literária contemporânea, Hiperconexões: realidade expandida tem tudo pra não se tornar mais uma publicação com prazo de validade demasiado curto. Os poemas tratam, de maneira lírica ou irônica, do grande desejo do ser humano, que é prolongar o máximo possível a vida saudável. O que antes somente a religião se atrevia a prometer − a vida eterna da consciência saudável −, agora é a ciência que ambiciona realizar. Pra alcançar esse objetivo, o ser humano está disposto a modificar seu código genético e, se for necessário, unir-se fisicamente às máquinas. Que tema seria mais contemporâneo para um livro de poemas, neste início de um novo milênio?

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