sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Diana no Natal




por Saulo Ribeiro

Diana, eu dizia que ia chamar ela só de Diana... Roberta topou e morreu de rir, perguntou se era uma antiga namorada mas não era e ficou tudo bem, a luz acesa naquele motelzinho de quinta categoria e a mina me dizendo o tempo todo que o importante é que era limpinho, tirou a roupa devagar enquanto falava, ficou de sutiã meia-taça preto e calcinha de algodão branca estampada com ursinhos, ela notou meu olhar abobalhado para a calcinha, colocou um risinho no rostinho iluminado e se desculpou, disse que era uma espécie de renúncia à sensualidade em nome do conforto, eu adorei aquilo e perguntei por que eu não tinha visto ela por lá ainda, respondeu que era meio invisível de vez em quando, mas que hoje ela queria ser vista por mim, que conhecia minha moto e meu nome já começava a circular entre as meninas de lá.

Depois deitou do meu lado, cobrou adiantado e disse que eu ficava bem de preto, falava e fazia cafuné na minha barba, eu quase dormi, mas levantei, tirei a grana da carteira, paguei e fui ao banheiro tomar uma ducha, o chuveiro ligado e ela na porta perguntando se podia entrar, podia, lógico, veio com a toalha e um robe no braço, eu tinha esquecido, me deu um sabonetinho, sentou no vaso e ficou me olhando, não queria entrar e molhar o cabelo, reclamou que tinha queimado o solado da sandália no escapamento da moto, eu disse que ia dar outra pra ela que sorriu de novo agradecida, presente de Natal com um cartãozinho e tudo, sou capaz de coisas assim. 

Ela perguntou como ia ser o Natal na minha casa e sem esperar pela resposta disse que ia pra casa da mãe em Minas Gerais, outra de Minas, pensei, e respondi quando ela parou de falar que eu não era muito ligado em Natal não, nenhuma crítica batida ao consumismo desenfreado, mas àquelas panaquicezinhas estilo árvore e Papai Noel. Ela protestou, quis saber o que eu tinha contra, eu não tinha lá motivos muito fortes, mas tentei esboçar alguma coisa, disse que árvore de Natal me lembrava o marido da rainha Vitória, um otário chamado Albert que tudo que fez em quarenta anos de vida foi popularizar o uso de árvores de Natal pela Europa, depois falei que Papai Noel tinha sido criado por um chargista alemão radicado nos Estados Unidos e depois plagiado e difundido pela Coca-Cola em campanhas publicitárias. Assim, nesta época do ano, eu sempre imaginava o príncipe Albert embaixo de um pinheirinho enfeitado tomando Coca-Cola e dando um arroto descomunal, tudo devidamente aplaudido pela rainha. Nobreza é um negócio chato pra caralho, além de patético, temos hoje o Charles, descendente do Albert, que me dá razão. 

Ela não concordou comigo, disse que as árvores lembravam a infância dela e outras coisas bonitas, eu queria foder e deixei as polêmicas natalinas de lado. Saí do banho e prometi procurar um analista, ela disse que eu era doido mesmo e afirmou com um beijo no meu ombro que adorava gente doida. 

Ela me vestiu no robe e me jogou na cama, oba, mais uma que sabe o que quer, eu me deixei levar, ela entrou com uma chupada maravilhosa, coisa de profissional, eu olhava aquilo e pensava que era bacana saber quanto custam coisas assim, as namoradas costumam mandar contas lacradas cheias de exigências absurdas. Mas tive uma recaída recorrente, falei que tinha inveja do namorado dela por receber uma língua daquelas sem a camisinha, ela riu sem tirar o pau da boca, eu vi poesia nisso. Eu vejo poesia sempre em coisas assim, por isso prescindo de ler a maioria dos poetas. 

O resto foi convencional, um belo rebolado, as gemidas falsas, o gozo canastrão e um sujeito peludo embaixo pensando em fumar um cigarro e fingindo acreditar em tudo, cotidiano... Ela saiu de cima, acendeu o cigarro e fumamos juntos, ela deitada de costas com a cabeça apoiada no meu peito, a gente se via no espelho do teto, era bacana o contraste de minha pele branca com a sua carne morena, eu gostei do rosto dela, tinha graça e ao mesmo tempo dignidade. Eu disse isso e ela acariciou minha mão, falou depois que tava adorando ficar ali comigo, eu me calei... O ano morria, “últimos suspiros”, ela disse isto. Eu falei que 2006 foi um ano de merda, eu tinha mergulhado mais fundo no poço seco, tava cavando a terra pra sair pela lateral, as unhas sangravam, mas falei isso rindo, um sintoma da gravidade das coisas. Ela se virou para mim e me deu um selo na boca, falou que ia fazer curativos nas minhas unhas e que tinha um diploma técnico de enfermagem, eu prometi ligar se precisasse. 

Levantamos, nos vestimos, pilotei a moto pela orla da praia devagar, ela grudada em mim, calados, as luzes natalinas piscando na fachada dos prédios refletiam no painel e em nós, o negrume da noite ficava menos nítido, as luzes piscavam. Eu me sentia bem no escuro e patético na luz, invariavelmente. Deixei Diana em uma praça perto do que ela disse ser a casa dela, me deu um abraço e outro selo, me fez gravar o telefone e cobrou a sandália. Tirei o dinheiro para pagar o calçado, ela disse que preferia presente, com cartão e tudo, eu sabia onde levar. 


Fui embora lento, pensando nas luzes, cheguei em casa, abri uma Coca e enquanto bebia lembrei que não tinha perguntado o número do pé dela. Não ia ter outro jeito, eu ia ter que ligar e perguntar.


(Saulo Ribeiro, Diana no Natal, contos, Cousa, 2010)


Minibio

Saulo Ribeiro nasceu em 1977, em Vila Velha, viveu em Pedro Canário, extremo norte do Espírito Santo. Atualmente mora em Vitória. Publicou os livros Cárcere (coautoria, dramaturgia, 2009), Diana no Natal (contos, 2010), Ponto morto (romance, 2010) e Corpo de delito & Rip e Cal (dramaturgias, 2013). Foi um dos selecionados no Prêmio Ufes de Literatura 2010. Em 2009 foi premiado no edital de literatura da Secretaria Estadual de Cultura, com o romance Ponto morto. 

Fundou, ao lado do poeta Rodrigo Caldeira, a Editora Cousa, da qual é produtor editorial. Em cinco anos a editora publicou mais de 40 livros de autores de várias gerações da literatura produzida no Espírito Santo, além de autores de outros estados. 

sauloribeiro.wordpress.com

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