Ilustração de Eustace Tilley para a revista The New Yorker |
Por Manoel Herzog
A maior das pragas que assola a
alma brasuca é, a meu ver, o colonialismo, atualmente rebatizado "complexo
de tomba-lata". A nostalgia de uma Europa não conhecida, contada pelos
ancestrais, a aspiração a uma vida próspera numa América de sonho fake.
Por conta da influência francesa
nós prostituímos o uso da crase, e ora vivemos a ilusão de que pra parecer
"insider" há que se falar inglês. Como diria o saudoso João Nogueira,
retransmitindo Noel: 'essa gente hoje em dia, que tem a mania de exibição'.
Na Faculdade de Direito, uma das
maiores fábricas de arrogância que tive oportunidade de conhecer, vi um
coleguinha, instado a ler um texto jurídico, pronunciar a expressão latina
'sine die' (sem data pra ocorrer) com entonação inglesa: "sáine dái".
Pior que o opróbrio putativo (pra
temperar o cliché 'vergonha alheia' de juridicidade) acorreu a poucos: eu, o
professor e qualquer dois ou três.
Na vida profissional, mais tarde,
esse coleguinha do sáine dái agregou ao logotipo de seu escritório o nome
fantasia "Just in Time - Assessoria Jurídica", fazendo infeliz
trocadalho do just inglês com justiça em português. Outro advogado, notável
até, apôs no logotipo de sua folha impressa um insólito "fulano &
sicrano advogados ltda. - a law firm".
Não gosto de julgar as pessoas
(fosse pra julgar seria juiz). A ignorância, a viralatice e o mau-gosto de um
coleguinha nunca me impediu termos amistosa relação. Certa feita, num congresso
em Buenos Aires, ante uma gentileza qualquer do maître, vi uma advogada
agradecê-lo, "Thank you". Em Buenos Aires.
Esses dias uma doutora, deveras
gostosinha e cultivée (curte arte), convidou-me, por email, a juntos visitarmos
a exposição do grande pintor To Lose Lou Track.
Fiquei longo tempo a meditar:
onde porra foi que Lou Reed perdeu a trilha, meu Deus?
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