sexta-feira, 20 de novembro de 2015


Por Ademir Demarchi

“Com que roupa?” é um sambinha famoso do Noel Rosa, tantas foram as vezes que foi regravado por sua peculiaridade. Nele, Noel, num tempo em que ainda se usava paletó como indumentária cotidiana, diz que o seu está uma estopa, virou farrapo, daí o mote da canção: com que roupa ir ao samba a que foi convidado? 
A vida tem se simplificado de tal forma que hoje em dia uma camiseta de malha substitui o terno no dia a dia e o rigor se foi a ponto de ter por aí muito sambista usando camisetinhas “baby look”, como dizem, para nojo da ala do Zeca Pagodinho. As mulheres, claro, são uma exceção a isso e, vestidas numa camiseta básica, pra elas é repetir o samba do Noel, pois certamente elas dirão: estou um trapo!
Esta semana alguém me contou de uma dessas mulheres que foi convidada a ocupar um cargo de chefia. Nem era tanta chefia assim, mas a fantasia do poder é transformadora. Não apenas ela aceitou na hora como já no dia seguinte apareceu montada. Com montada, essa expressão do mundo gay equivalente a fantasiada ou pronta para o galope, se é que me faço entender, quero dizer fantasiada de chefe, com um salto alto de 10 centímetros, saia justa que ela devia usar “no fim de semana”, blusa brilhosa e um sem número de bijuterias e pinturas. Demarcava, assim, muito bem, a mudança do lugar em que estava agora, pronta para montar nos subalternos e experimentar um outro tipo de gozo.
Noel dizia no samba que estava um sapo de tão maltrapilho. Se sapo causasse algum asco, pergunto-me que estranheza causa alguém dizer que está um bode. Em meio a maconheiros e bebuns dizer que está de bode é tentar traduzir uma baita ressaca que pode ir da pantagrueza famélica à dor de cabeça terrificante do arrependimento provocada pelo exagero. 
A expressão, no entanto, é também inerente ao meio maçônico e há até uma loja, com site na internet e tudo com esse sugestivo título de Loja do Bode... Recebi a notícia num e-mail e fui lá passear por esses mundos estranhos que de vez em quando nos aparecem como bilhete para a Tasmânia. 
Nem posso dizer que me espantei tanto assim, afinal, desde a infância, prezando a estranheza, meio que me acostumei a gente que usava anel de advogado, anel de contador e até de médico, como se aquilo conferisse uma aura diferencial em relação aos simples mortais. 
A tranqueirada que lá está à venda faz do queridinho do Marcos Peres, o autodenominado escritor Dan Brown, um aprendiz de feiticeiro, ele que enche a bulha de ouro com estorinhas de maçonaria que faz vergonha ao Umberto Eco, que o encontrou num evento e não teve dúvida: “você é minha cria”. 
Há de tudo na loja do bode, de joias a indumentárias para ocasiões rituais e até aventaizinhos que tentam ser, digamos, mais rigorosos que os usados fora das lojas no churrascão de tijolos refratários do fim de semana. E há bodes, assim como adagas e espadas de todo tipo, afinal o mundo em que vive essa gente parece ser bem conspirativo, comprovando também que o cara que criou isso é um sagaz mascate de inutilidades. 
Bom, antes que um raio me caia na cabeça, vou pro samba a que ela me convidou e vou mesmo é de camiseta, certamente não “baby look”, que ainda sou da velha guarda...

(Crônica do livro "Siri na lata", em lançamento hoje na Realejo Livros, em Santos)

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