segunda-feira, 30 de novembro de 2015

"Dante e Virgin no Inferno", de Bouguereau


Por Manoel Herzog


Só mente privilegiada de poeta e crítico feito esse Ademir Demarchi pra deduzir coisa assim: numa das crônicas do recém-lançado Siri na Lata (Ed. Realejo) o vate divaga sobre o cheiro de enxofre das águas de São Pedro, estância hidromineral paulista, águas que curam de frieira a depressão, e transmitem sensação de felicidade ao visitante daquelas plagas. Ademir especula correspondências do cheiro de enxofre no Inferno de Dante, e as associações deste elemento químico à figura do Diabo. E como, apesar da negatividade que deveria acompanhar o enxofre, ele é curativo e necessário.

Fui levado a pensar imediatamente no Casamento do Céu e Inferno, de William Blake: nas paredes do Inferno do poeta inglês há aforismos de uma sabedoria suprema. Ou seja, há poesia no Inferno. Mais que isso, Ademir nos levar a convergir com o pensamento clássico de que aos poetas é dado ir ao Inferno e dele voltar. Assim fez Hércules, foi lá buscar o cão Cérbero e voltou. Assim fez Jesus Cristo, desceu à mansão dos mortos. Assim fez Homero, com seu Ulysses. Assim fez Dante, a quem guiou Virgílio. Rimbaud, que passou sua Estação no Inferno. E, segundo Frejat, Cazuza não morreu, foi ao Inferno e voltou.

A poesia, essa grandeza de Deus, como seu Criador está além do bem e do mal. O enxofre é um veículo da cura, da verdade e da poesia, todas uma só grandeza.

Pra ser mais poeta eu mesmo tomo um composto de fluoxetina que, creio, é à base de enxofre. Isto deduzo porque, nos dias em que capricho na dose (tenho feito isso por estes dias), qualquer emanação gasosa que de mim saia vem impregnada da olência dos círculos dantescos, de modo que mesmo eu, que produzi, me vejo impossibilitado de suportar tanta filosofia. A despeito da insuportabilidade do cheiro, uma sensação de alegria celeste invade meu ser, e daí eu fico a fazer versos.

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