segunda-feira, 14 de março de 2016




Sobre uma poética tarkovskiana na série "Todas as coisas estão cheias de deuses", de Carolina Krieger

Por Marcelo Ariel

Carolina krieger é uma fotógrafa que em seus trabalhos realiza um mapeamento de  zonas de silêncio através da evocação do mundo em suas aberturas para uma cosmogonia em paisagens, corpos e fragmentos, como se sondasse aberturas, clareiras de desnomeação, aquilo que Rilke chamou em um poema de "O aberto", algo misterioso que une o orgânico ao cósmico e se manifesta no mundo como um canto ou um arco de silêncio. 

Era justamente esta a mesma busca do cineasta russo Andrei Tarkovski, com quem ela parece dialogar profundamente nesta série de vídeos chamada "Todas as coisas estão cheias de deuses". Tarkovski via o registro da imagem, principalmente no cinema,  como uma instância de desaceleração do tempo interno, algo que segundo ele em seu livro "Esculpir o tempo" é uma das destinações  vindas da pintura religiosa, em especial a do pintor e monge russo Andrei Rublev, a quem ele dedicou um filme.

Esta mesma desaceleração do tempo, a meu ver, é também uma das características dos vídeos de Carolina, que estão imantados por  esta ideia do cineasta russo,  a de que a imagem se move no tempo em suspensão de uma pintura que vemos se mover  em sonho. Esta série de vídeos que estão disponíveis na conta do Instagram  de Carolina formam uma espécie de mosaico de instantes, uma cartografia sensível de silêncios que parecem emanar diretamente da presença misteriosa de um significado secreto, para além da palavra em paisagens, coisas e pessoas, silêncios diretamente relacionados com a misteriosa vida da luz , são filmes onde a luz vêm do silêncio e envolve, toca as coisas como se a  respiração do mundo se tornasse visível.

Carolina, ao organizar seus registros da presença do ser no mundo,  segue procedimentos que os aproximam  ainda mais de uma outra temporalidade, a da evocação do pictórico dentro da fotografia. Seus trípticos e instalações parecem evocar demandas similares às da busca mística pelo numinoso, algo que  segundo o sufismo está escondido no silêncio que foi tocado pelo amor. Heráclito, ao afirmar em um de seus fragmentos que "a harmonia ama esconder-se", pode estar se referindo a este silêncio. A visão que o trabalho de Carolina pede é uma visão  capaz de se deter nas coisas, pessoas e paisagens registradas por ela,  como se cantasse aquilo que também se esconde dentro do tempo como uma harmonia, uma harmonia que vemos em espelho e em enigma.

Para conhecer a série "Todas as coisas estão cheias de deuses"  acesse o instagram de Carolina krieger clicando aqui: https://www.instagram.com/carolinafoeskrieger/  


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