Sobre uma poética
tarkovskiana na série "Todas as coisas
estão cheias de deuses", de Carolina Krieger
Por Marcelo Ariel
Carolina krieger é uma
fotógrafa que em seus trabalhos realiza um mapeamento de zonas de silêncio através da evocação do mundo em suas aberturas para uma
cosmogonia em paisagens, corpos e fragmentos, como se sondasse aberturas, clareiras de desnomeação, aquilo que Rilke chamou em um poema de "O
aberto", algo misterioso que une o orgânico ao cósmico e se manifesta no mundo
como um canto ou um arco de silêncio.
Era justamente esta a mesma busca do
cineasta russo Andrei Tarkovski, com quem ela parece dialogar profundamente
nesta série de vídeos chamada "Todas as
coisas estão cheias de deuses". Tarkovski via o registro da imagem, principalmente
no cinema, como uma instância de
desaceleração do tempo interno, algo que segundo ele em seu livro "Esculpir o
tempo" é uma das destinações vindas da
pintura religiosa, em especial a do pintor e monge russo Andrei Rublev, a quem
ele dedicou um filme.
Esta mesma desaceleração do tempo, a meu ver, é também
uma das características dos vídeos de Carolina, que estão imantados por esta ideia do cineasta russo, a de que a imagem se move no tempo em suspensão de uma pintura que vemos se mover em sonho. Esta série de vídeos que estão
disponíveis na conta do Instagram de Carolina formam uma espécie de
mosaico de instantes, uma cartografia sensível de silêncios que parecem emanar
diretamente da presença misteriosa de um significado secreto, para além da palavra em
paisagens, coisas e pessoas, silêncios diretamente relacionados com a misteriosa vida da
luz , são filmes onde a luz vêm do silêncio e envolve, toca as coisas como se a
respiração do mundo se tornasse visível.
Carolina, ao organizar seus
registros da presença do ser no mundo, segue procedimentos que os aproximam ainda mais de uma outra temporalidade, a da
evocação do pictórico dentro da fotografia. Seus trípticos e instalações parecem
evocar demandas similares às da busca mística pelo numinoso, algo que
segundo o sufismo está escondido no silêncio que foi tocado pelo amor. Heráclito, ao afirmar em um de seus fragmentos que "a harmonia ama esconder-se", pode estar se referindo a este silêncio. A visão que o trabalho de Carolina
pede é uma visão capaz de se deter nas
coisas, pessoas e paisagens registradas por ela, como se cantasse aquilo que também se esconde
dentro do tempo como uma harmonia, uma harmonia que vemos em espelho e em
enigma.
Para conhecer a série "Todas as coisas estão cheias de deuses" acesse o instagram de Carolina krieger
clicando aqui: https://www.instagram.com/carolinafoeskrieger/
0 comentários:
Postar um comentário
Os comentários ao blog serão publicados desde que sejam assinados e não tenham conteúdo ofensivo.