quarta-feira, 23 de março de 2016



Por Marina Ruivo


Peguei o romance pra ler motivada em conhecer mais de Jane Austen, de quem até então só havia lido, e bem recentemente, o último livro, Persuasão (que inclusive foi publicado depois da morte da autora). Comecei a leitura de Orgulho e preconceito com a confiança na importância de conhecer mais da produção de escritora tão relevante, mas também olhando com certo distanciamento o enredo, que desde o início se apresenta como uma história de casamento(s). Olhando-o, em verdade, como se ele fosse quase um preço a pagar em troca de observar a maneira arguta como a narrativa constrói seus personagens, a ironia com que muitas vezes olha para eles e para suas visões de mundo, tão preocupados, eles, com a aparência, com o dinheiro, as boas maneiras.

Numa leitura ainda mais instrumental, acho que eu via o enredo ainda como um preço a pagar pelo conhecimento da vida inglesa no XIX, entre os proprietários de terras, tanto aqueles mais ricos quanto os quase pobres, com seus modos tão cerimoniosos, etiquetas pra isso e aquilo, e sua ausência de trabalho. Estão todo o tempo a se visitar e jogar, jantar e bailar. Mas ninguém produz nada, não só em termos “braçais”, mas também intelectuais. Uma classe de inúteis, que se subjugam aos Sirs e Ladies decadentes mas ainda cheios de prestígio que lhes aparecem pelo caminho. 

Assim, ingenuamente acreditava eu que lia Jane Austen apenas em termos intelectuais, não emocionais. E foi aí que o bicho pegou e senti a maestria da autora. Depois de vencidas uma parte inicial da narrativa, na qual vamos conhecendo os personagens e suas questões principais, me vi querendo saber se o jovem Bingley ainda gostava de Jane (uma das personagens, não a autora), ou se os sentimentos de Elizabeth, a protagonista, de fato mudariam diante do Sr. Darcy e ela então acabaria se casando com ele. E ele não guardaria rancor diante da primeira recusa, por parte dela? Faria mesmo um segundo pedido de casamento? É incrível que, mesmo sabendo que essas coisas terão de acontecer para fazer o final feliz, a gente se envolve e sofre, fica aflita, quer fazer a leitura ir mais rápida para poder confirmar e, então, se aliviar, porque do contrário seria muito, muito injusto! 

Claro que me vi em alguns momentos refletindo sobre como a autora constrói tão sabiamente sua intriga, plantando pequenas pistas do que vai acontecer desde o começo. Mas quando o livro é bom, eles nos pega pra valer e nos faz antes de tudo leitores ingênuos, crianças querendo saber se a mocinha vai ser salva do monstro. Só depois de saber e nos saciar e satisfazer é que podemos começar uma operação crítica, buscando transformar-nos naquilo que Umberto Eco chamava de leitor modelo*. Antes, só o prazer do texto, fale ele sobre o que for. Sem orgulho e sem preconceito.

Em tempo: Quando vi, estava tão enfeitiçada por Elizabeth, Jane, Sr. Darcy, Sr. Bingley e companhia que resolvi assistir ao filme feito com Keira Knightley no papel de Lizzie. Talvez, se eu não tivesse lido o livro, conseguisse me envolver com suas cenas. Mas, apesar de Knightley ser uma moça de beleza diferente, não arrebatadora (e que sempre me faz pensar que assumiu o lugar de Winona Ryder, com quem a acho fisicamente parecida), seu ar de moleca não me pareceu combinar com o caráter de Lizzie, que é sagaz, espirituosa, porém revela uma maturidade que no filme desapareceu. Ela ficou infantilizada e incapaz de nos fazer entender e sentir sua preocupação com a irmã mais velha, Jane, por exemplo.

A atuação de Matthew McFadyen (ator que eu não conhecia), se deu uma beleza que o Sr. Darcy não parecia ter no livro, por outro lado entrega o jogo todo de cara, sem nos manter nessa linha entre o suspense e o desejo de que o final feliz se dê. Já temos plena certeza e aí a coisa perde a graça.

O filme mantém diálogos extremamente fiéis ao romance, mas concentra toda a sua ação no casal Lizzie/Darcy, quando o livro é muito mais que isso. E, na verdade, o que faz um bom filme, mesmo se adaptado de um romance, não é sua fidelidade total à obra original, e sim sua construção como um filme, que é uma linguagem necessariamente diferente da literária, ao combinar várias linguagens. 

Por fim, confesso algumas lagriminhas ao fim, diante do encontro do casal, mas que não me deram a sensação de ter visto um bom filme, para minha frustração. 


*Coincidentemente eu havia terminado de ler os maravilhosos "Seis passeios pelo bosque da ficção", de Umberto Eco, nem quinze dias antes de ele vir ao noticiário do mundo todo, por seu falecimento, e é por isso que a obra está muito fresca e viva pra mim. Mas confio sinceramente que a minha leitura não tenha nada a ver com a sua morte.

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