quinta-feira, 19 de maio de 2016



Excerto do romance "O lado imóvel do tempo" (Editora Patuá)


Por Matheus Arcaro


Escrevo para o nada ou para o meu porvir que, no fim, são a mesma coisa. O nada, com sua força pra erguer abismos, deve ser respeitado. Por isso, entrego a ele meu futuro, o tempo que não encontrarei pessoalmente. Por isso, deixo registradas minhas desesperanças. Escrevo também pra deus. Se ele existisse, eu o perdoaria. Como perdoo o elefante que não percebe a joaninha esmagada sob a sua pata. Pro elefante, aquela joaninha nunca existiu. Tampouco o elefante, animal herbívoro, pele áspera e memória funda, existiu para a joaninha. O que existiu foi o peso do acontecimento. O que é o elefante para o homem? É como prega a velha história: se três cegos de nascença tateassem partes diferentes do animal, para cada um ele seria uma coisa. Pra mim, o elefante é como uma obra de arte: inventado por necessidade. Prestes a me enforcar, por que escrevo sobre elefantes e joaninhas? Ah, deus, se você existisse, pediria que não mais criasse homens maquiadores do presente. Que não mais criasse homens adiantadores do futuro. Que não mais criasse homens construtores do pretérito. Que não mais criasse homens. Pediria que guardasse a bondade para si e morresse asfixiado por ela!

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