segunda-feira, 6 de junho de 2016


Wladimir Cazé

Por Erre Amaral


TRIZ

O mosquito escapa
À morte pela forma
Caótica que atravessa
O tapa desferido
Por nossa esbaforida
Mão
  

Escrevi os versinhos aqui epigrafados, mobilizado não lembro mais por qual leitura. Sei que de imediato rascunhei a lápis nas páginas do próprio livro, modo de não esquecer as linhas que me chegavam sussurradas por minúscula e alada sílfide.
Tais versinhos foram avivados por outros de sovinas, mas adensadas linhas, tatuados com sutis patinhas de criaturas miniaturizadas nas [i]maculadas páginas do Microafetos de Wladimir Cazé.
Às avessas de Gregor Samsa, o que foi metamorfoseado por Kafka num enorme inseto depois uma noite de sonhos intranquilos, Cazé faz-se poeta de metáfora tecnocientífica e, à maneira de um desatinado colecionador de lepidópteros, liberta suas borboletas, mariposas e outros tantos desses minúsculos invertebrados, para que flanem assustadores ante os olhos de espavoridos leitores/as.
Mas exagero no efeito terrificante que os bichinhos de Cazé possam causar aos/às atentos/as deletreadores do seu Microafetos. À vera, o efeito que a leitura desse breve bestiário poético me causou foi o drolático. Sim, pilhei-me rindo por diversas vezes dos versos que compõem essa micropoética cazeana. Se duvidam, espiem só:

No alvoroço de um terraço vulcânico,
O escaravelho zarolho de índole pacífica
Avança sobre a muriçoca em pânico:
Escândalo inédito na primeira página.

Metapoeticamente é curioso o ritmo a que Cazé nos obriga a ler sua taxionomia poética. Um ritmo que lembra o acalanto do cri-cri-cri de grilos em melancólicos entardeceres, ou os tá-tá-tás de cigarras prenunciadoras de chuvas benfazejas:

No marasmo de uma lixeira gráfica,
Um rato informático dá um súbito
Susto na barata multi-sináptica:
Abalo sísmico num coração rústico.

Claro, são inúmeras as remissões à animalidade presente em farta e prodigiosa literatura, desde a já mencionada metamorfose kafkiana, passando pelo inaudito bestiário borgeano encontrado em certa enciclopédia chinesa, até A ratazana de Günter Grass, o “Burrinho pedrês” e “Conversa de bois” do Sagarana de Rosa.

Aliando-se a essa plêiade, o Microafetos de Wladimir Cazé replica o ensinamento de Derrida em O animal que logo sou, no qual o filósofo francês afirma que se há um pensamento do animal, tal pensamento é um pensamento poético.



Erre Amaral nasceu em Porto Velho (RO) e mora em Diamantina (MG). Escritor, poeta, ensaísta e professor universitário. Autor de 54 [+ uma] mulheres do baralho (poemas, Editora Cousa, 2015) Contos extraviados (contos, Butecanis Editora Cabocla, 2015), Uma Denise (romance, Editora Cousa, 2014), Le mot juste (romance, Orobó Edições, 2011) e Paul Ricoeur e as faces da ideologia (ensaio, Editora da UFG, 2008). Assina a coluna ‘O mal-entendido universal’ na Germina – Revista de Literatura e Arte e a coluna ‘Memorabilia’ na Revista Pausa. Editor de Palávoraz – Literatura e Afins. Coordena o Projeto de Extensão Café Literário em Diamantina (MG). Curador do Projeto Caravana Rolidey – Literatura na Estrada. Despacha na blogue literário piERREmenardiando. Doutor em educação (UFG), é, atualmente, o Diretor de Cultura da UFVJM.


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