domingo, 5 de junho de 2016

Comtesse d' Haussonville, de Louise de Broglie (1845)

Por Jean Pierre Chauvin



Fugere urbem... Inutilia truncat... Locus amoenus... Carpe diem… e eis aí o famigerado Arcadismo, aquele movimento literário avesso ao Barroco, iniciado por aqui rigorosamente em 1768 (com a fundação da Arcádia Ultramarina) e encerrado precisamente em 1836, graças aos “suspiros” do nacionalista Gonçalves de Magalhães… em um jornal de Paris.

Aprendemos também que ele poderia se chamar Neoclassicismo (pois retomava os modelos greco-latinos da Antiguidade, considerados exemplares) e contava com um grupo de poetas mineiros subversivos (nacionalistas, nativistas, antilusitanos): republicanos que mantinham escravos, mas versejavam sobre a liberdade. Que, pertencentes à elite e fiéis às convenções sociais, versavam sobre o amor; que, embora cidadãos acostumados à cidade, representavam o penhasco, a amada idealizada (ou donzela pré-romântica), a ovelha, a árvore, o cajado, o arado e a cabra.

Em essência, submetido a raras variações, não será mais ou menos essa visão estereotipada que nos acompanha dos tempos de colégio à faculdade?

Comecemos pelo nome (pode ser útil). Compreendido como movimento artístico, o Arcadismo alude a uma região da Grécia, durante a Antiguidade. A corrente deve suas origens à Itália, berço das primeiras academias literárias da Era Moderna, que remontam ao final do século XVII (a Arcádia Romana surgiu em 1690). Em 1756, foi a vez de Portugal com a criação da Arcádia Lusitana. Doze anos depois, um punhado de poetas de mentalidade portuguesa, nem todos nascidos no Estado Brasil, propôs uma réplica na colônia: a Arcádia Ultramarina. Seu propósito? Sob nomes fictícios em latim, congregar poetas e pensadores dispostos a desenvolver engenho e arte em encontros periódicos, em que praticavam a leitura e a escrita de versos a partir de desafios feitos pelos oponentes, sob a forma de motes, glosas e congêneres.

O movimento se orientava por critérios estéticos que conciliavam ensinamentos contidos nos antigos tratados de retórica e poética do mundo greco-latino (Virgílio e Horácio são quase sempre os únicos nomes lembrados, em detrimento de muitas referências mais próximas dos próprios árcades, a exemplo de Camões, Torquato Tasso e Baltasar Gracián…) com uma relativa nova orientação em manuais, inclusive em língua portuguesa, dentre os quais deve se destacar O Verdadeiro método de estudar, de Luís António Verney, publicado em 1746: um dos primeiros a depreciar a qualidade de muitos poetas que vieram um ou dois séculos antes.

Daí em diante, alguns entendidos em literatura passaram a repisar a tese de que Barroco é movimento de contrastes e linguagem obscura, frente ao Arcadismo: corrente bem outra, que anunciava temas e modos do Romantismo (com meio século de antecedência), pois primava pela clareza e a simplicidade, enquanto tematizava o amor pastoril.

O problema é que sínteses tão concisas e apressadas não correspondem à mentalidade de um homem letrado daquele tempo e consistem em anacronismo. Afora isso, o poeta árcade também se orientava por regras (é sintomático que o nome derivasse, justamente, da proliferação de… Academias, onde imperavam exercícios afeitos a melhor tradição em versos).

E quem disse que o chamado Arcadismo Brasileiro poderia ser considerado um movimento puro-sangue nacional? Ora, tanto os poetas mais conhecidos, quanto os eventualmente esquecidos, pensavam, sentiam e agiam como portugueses. Em meados do século XVII, o Estado Brasil continuava a ser uma fatia do Império lusitano; a formação dos poetas envolvia rigorosos anos de estudo num dos Colégios Jesuítas (em Portugal ou na Colônia) e o bacharelado em Direito ou Leis Canônicas na Universidade de Coimbra. Na maior parte dos casos, os poetas viveram maior parte na Europa que em Vila Rica, ocupando cargos da Administração Reinol…

Outro questionamento envolveria a usual confusão a que os alunos são induzidos. Afinal, Professor, o poeta era um pastor de ovelhas que vivia com uma amante no campo? Ou ele era um homem da cidade, escorado na enorme administração portuguesa, que desejava se casar com uma mulher de nacionalidade luso-brasileira, branca, católica, do lar e ordeira?

Se desconfiamos que os árcades tinham os preceitos de Aristóteles e Horácio em altíssima conta, por que não ensinar – desde as primeiras aulas – que o homem (fosse ele Cláudio, Tomás, Durão, Basílio ou Inácio) não se confunde com o poeta; e que este não se irmana necessariamente à persona figurada pelo eu-lírico?

Roland Barthes dizia do Professor que seu trabalho consiste essencialmente em “pesquisar e falar”. No caso do Arcadismo, a falta do primeiro termo parece evidente e compromete o segundo. Invoquemos as musas: elas nos conduzirão pelo melhor caminho, de modo a que a poesia neoclássica reconquiste o seu lugar sem perder de vista o dado estético, situado cultural e historicamente. 

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