terça-feira, 26 de julho de 2016

Đuro Janeković


Por Jean Pierre Chauvin


Mais dia, menos dia, darei ao prelo um manual de como “caminhar por entre a gente”, aproveitando o célebre verso camoniano (isso soa distinto e elegante, apesar de ter virado letra de música pelas mãos de Renato Russo).

Não sei se graças à invenção das microtelas ou à falta de visão para além do próprio nariz, minhas estatísticas informais confirmam que boa parte dos transeuntes vive a esbarrar, obstruir ou mesmo empurrar seus pares da Pauliceia, o que transformou os logradouros e estabelecimentos em autênticos campos de batalha. Batalha renhida, diga-se, em que o interesse minúsculo e imediato de uns interfere sensivelmente nos anseios, porventura maiores e a longo prazo, de outrem.

Uma mente irriquieta poderia cogitar: “ah, serão lunáticos a viver com os pés em qualquer lugar”. Digo-lhes, com veemência, que não. A ampla maioria dos seres de caminhar truculento estão vestidos a caráter, quando não maquiados para desfilar nas imediações do local onde estudam. Ou seja, a concepção pragmática dos seres não os impede de esbarrar na gente que passa, fica ou vai.

Outro sujeito poderia decretar: “ah, que é que tem? Cada um sabe de si. Afinal, o outro não está vendo o indivíduo parado?”. Mil vezes, não. A via pública não tem esse nome (via) por acaso. Ela implica movimento, direção. Desde quando interromper o fluxo de dezenas de pernas converteu-se em modo original ou adequado de transitar?

Um extremista poderia sugerir: “certas pessoas precisam ficar em casa: só atrapalham a gente nas catracas, portas de ônibus e calçadas”. Really? Nessas horas, o tão propalado direito de ir-e-vir é providencialmente esquecido, justamente por aqueles que mais o invocam, quando diante de mobilizações (as coerentes) na cidade. Assim como aquela emissora dedica a maior parte de sua programação às novelas, telejornais e jogos de futebol, poderíamos dizer: “Exclusão: a gente vê por aqui”.

Como se vê, há matéria para muitas páginas. Mas pensemos mais longe. Suponhamos que esse tratado realmente genial seja editado em outros países… Seria preciso adaptar o título, originalmente pensado em Português: “L’art de marcher”, “The walking art”, “El arte de caminar”. O manual soaria mais elevado e, justamente por essa razão, seria consultado por uma penca de transeuntes que... esbarrariam, obstruiriam ou empurrariam os não-leitores, num paradoxo dos mais incômodos: estacionar para aprender a andar.


Pensando bem, considerando os inegáveis malefícios embutidos no tratado, será melhor restringi-lo à gaveta da escrivaninha. 

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