sexta-feira, 7 de outubro de 2016


Saramago, por Sebastião Salgado


Por Jean Pierre Chauvin


O livro que aí vês é daquele impressionante escritor português (1922-2010). Não estava na estante  e entendi que era tempo de ler as três peças que lá vão. A primeira é protagonizada por Luís Vaz de Camões. O diálogo principia com um padre e um secretário da corte de Dom Sebastião, no ano de 1570. Não por acaso, são irmãos: sinal de que o nepotismo, de que tanto se fala na neo-colônia Brasil, também fez história em nossa antiga matriz europeia – vide o caso de Sebastião José de Carvalho e Melo, que botou seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado no governo do Grão-Pará e Maranhão e do mano Paulo António de Carvalho Mendonça fez Inquisidor-Chefe do catolicíssimo Tribunal Eclesiástico, ambos sob a poderosa administração e propalada devoção Dom José I, entre 1750 e 1777. Digo-te, logo: passarei a tarde em companhia de Saramago. Vê e repara: não o afirmo em sentido literal, pois que de letras estarei bem servido; e, convenhamos, não tenho cá o poder de reviver os mortos, nem mesmo os mais sentidos. Além do mais, escrita nestes termos, a sentença (“passarei a tarde em companhia de Saramago”) é poderosa metonímia que me ocorreu na rua – enquanto driblava as mesas com que os estudantes em tempo parcial ocupam calçadas, a dilapidar a verba familiar e a testar a paciência dos transeuntes, que nada têm a ver com sua rebeldia sem direção ou fundamento. No asfalto, ocorria-me que, se ensinássemos as figuras de linguagem por intermédio de exemplos feito este, porventura faríamos mais adeptos pequeninos da gramática e da estilística – estas artes de que se gabam os puristas e que desfazem os maus usuários da língua, a “pátria” de Fernando Pessoa. Mas, convenhamos, isto está a soar digressivo e, bem o sabemos, não convém locupletar um texto, por sinal breve, com interlocuções. Quer saber? Dou-me o direito. Interrompi a leitura de um escritor subversivo para fazê-lo. E agora que já tomei teu tempo e algum espaço, regresso à aventura do soldado e poeta português, interessado em editar sua epopeia – feito que só conseguirá em março de 1572, pouco antes de morrer. E já que estamos a tratar de súditos de sua Majestade, em pleno século XVI, declaro-te que José, não o rei, continua sendo poderoso antídoto frente ao obscurecimento, em nome da bala, do pastor e do mercado. Classificam-se como substantivos, diz a gramática, mas – cá entre nós – são símbolos inclassificáveis. Não se sujeitam a regras, mas vivem a tecer discursos éticos e moralizantes, em nome da ordem, do pai e do entreguismo.

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